segunda-feira, 24 de agosto de 2009

PARMÊNIDES

De Parmênides, há um poema denominado “Acerca da Natureza” do qual restam 154 versos. Trata-se de um poema dividido em duas partes, uma relativa à doutrina da verdade e a outra à doutrina da opinião. A proposta filosófica de Parmênides baseia-se no contraste entre a verdade e a aparência. Nesse caso, o conhecimento sensível, que é o conhecimento da aparência, é o caminho do engano. Somente a razão deve ser o instrumento para o conhecimento da verdade.
“Ora a razão demonstra facilmente que não se pode nem pensar nem exprimir o não ser. Não se pode pensar sem pensar alguma coisa; o pensar coisa nenhuma é um não pensar, o dizer coisa nenhuma é um não dizer. O pensamento e a expressão devem, em todas s circunstâncias, ter um objeto e este objeto é o ser.” (ABBAGNO, 1976, p.46)
Parmênides pode ser considerado fundamental à evolução da filosofia grega. Ao tratar a unidade como uma exigência da razão, o filósofo radicaliza a visão monista da realidade. Para ele, o movimento, a mudança e a multiplicidade não são cabíveis. Para Santos (2001), Parmênides é o primeiro grande metafísico da história, pois foi ele quem primeiramente usou a Razão para refletir sobre uma noção formal e abstrata do ser: “A razão quando realiza a função que lhe é própria, quando pensa, quando raciocina tem por objeto, unicamente o ser. O não-ser, o nada, o que não existe não pode ser objeto de pensamento, simplesmente, porque é impensável. É neste sentido que Parmênides disse: pensar e ser são a mesma coisa, porque só o ser (única realidade) é objeto do pensamento e, sem o ser, não haveria o que pensar, nem como expressar o pensamento.” (SANTOS, 2001, 64-65).
O vir-a-ser, o movimento, a mudança, advindos da experiência sensorial, são ilusões que devem ser superados pelo uso da Razão. A conversão filosófica é uma viagem dos domínios escuros da ignorância aos domínios luminosos do conhecimento verdadeiro do ser. Esse é o tema central de seu poema “Acerca da Natureza”. Em um fragmento do texto, a deusa justiça assim lhe diz: “Contudo, também isto aprenderás: como a diversidade das aparências deve revelar uma presença que merece ser percebida, penetrando tudo totalmente.”
O ser de Parmênides, portanto, fica além da aparência das coisas, das quais constitui a estrutura necessária, reconhecível pelo pensamento. O filósofo caracteriza esta estrutura em termos da modalidade da necessidade. O ser verdadeiro é, pois, o ser necessário. A característica principal do ser é a necessidade: “o ser é e não pode não ser” – é sua tese fundamental. A eternidade é a necessidade por trás do tempo porque, para Parmênides, a eternidade é vista como negação do tempo.
Mais à frente, a deusa lhe fala acerca dos dois únicos caminhos possíveis: “O primeiro (diz) que (o ser) é e que o não ser não é; este é o caminho da convicção, pois conduz á verdade. O segundo, que não é, é, que o não-ser é necessário; esta via, digo-te, é imperscrutável; pois não podes, conhecer aquilo que não é – isto é impossível –, nem expressá-lo em palavra.” Não há aqui como não fazer relações com o domínio de AIN - a negatividade cabalística.
Para mim, este não-ser presente no fragmento de Parmênides é diferente daquele não-ser resultado da experienciação sensível do mundo. Tratar um pelo outro é distorcer a afirmação acima. Um é pré-existente e o outro pós-existente ao ser; um, o terreno do Imanifesto; o outro, o território da multiplicidade aparente, da fragmentação.
Santos (2001) afirma que Parmênides, ao atribuir ao ser somente um único significado, trata em termos absolutos os conceitos de ser e não-ser. Esse Absoluto, modernamente, é identificado como Princípio Impricipiado, como Condição Incondicionada. A compreensão de TUDO leva à descoberta da verdade plena, “... uma massa de esfera bem redonda, equilibrada desde seu centro em todas as direções...” (PARMÊNIDES, Fragmento 8). Novamente, vem à tona uma similitude com as esferas formadoras da Árvore da Vida.
Sobre o uso explicativo da imagem da esfera, JV Luce (1994) é pontual e claro: “Essa esfera do mundo é um objeto material ou imaterial? Essa pergunta seria quase certamente sem sentido para Parmênides, pois nenhuma distinção inabalável e filosófica entre corpóreo e incorpóreo tinha sido até então esboçada. Parmênides insta-nos a pensar o universo em vez de tentar imaginá-lo ou percebê-lo. Nossa tendência é visualizar os corpos celestes como esferas movendo-se através do espaço vazio. Para Parmênides, não há espaço vazio, já que o Todo é um espaço pleno sem nenhum movimento, já que o Todo está em repouso.”
Como, ao ler isso, não se pode pensar nas postulações da cosmologia contemporânea sobre a matéria e a energia escuras? O próprio Luce faz este tipo de relação ao considerar que: “Na Geometria de Euclides, as linhas retas podem prolongar-se infinitamente. Par Einstein, o espaço é curvo, e o universo é finito, porém limitado. A esfera da realidade de Parmênides parece mais einsteiniana que euclidiana. A comparação é sua maneira de enfatizar a perfeição da realidade, pois a esfera é a figura perfeita cuja superfície é uma e contínua em todas as direções.” Como, aqui, não retomar também a concepção hermética de Deus como uma esfera cujo centro está em tudo e cuja circunferência não está em lugar nenhum?
O pensamento de Parmênides, em razão de sua abstração, faz com que o objeto filosófico migre do mundo material natural, da physis, para o mundo da essência, das propriedades ao ser, da metafísica contrapondo-se, assim, às propostas anteriores dos milésios.

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