domingo, 30 de agosto de 2009
Pré-Socráticos, cosmologia, fenomenologia
Os Pré-Socráticos, a relatividade, o big-bang e as cordas: o Logos se fez Energia; o Verbo se fez Carne/Matéria.
Este texto busca apresentar, de forma rápida, as considerações filosóficas de autores gregos, anteriores à tríade Sócrates, Platão e Aristóteles, costumeiramente denominados Pré-Socráticos. A leitura aqui apresentada pretende não ser apenas um resumo dos principais autores deste grupo, mas tenta mostrar como várias idéias desenvolvidas neste período do nascimento da filosofia na Grécia estão fortemente relacionadas a questões abordadas pela filosofia e pela cosmologia contemporâneas.
Os filósofos pré-socráticos foram os responsáveis pelo nascimento da mentalidade filosófica e racional na Grécia Antiga, desenvolvendo um conjunto de obras que se opunham ao pensamento mítico-religioso fortemente arraigado na cultura grega de então. Mileto, na Jônia, foi o centro desencadeador dessa mudança. “Suas pesquisas, idéias e novas propostas explicativas do universo coincidem com o aparecimento da filosofia, uma nova forma de conhecimento, mais razão que fantasia, geradora de uma nova mentalidade e novos paradigmas” (SANTOS, 2001, p.12). O foco desse novo pensar foi, inicialmente, a cosmologia, resultado do esforço de explicar os seres e a realidade em seus primórdios. Como destaca Santos (2001), é preciso não perder de vista a distância temporal e as dimensões cultural e existencial que nos separam do modo grego de pensar e compreender o mundo, e atentar para tudo aquilo que ficou e acabou por constituir um legado civilizatório. Os textos, ou melhor, os fragmentos que nos chegaram das formulações filosóficas dos pré-socráticos devem-se ao trabalho dos doxógrafos – autores que tomaram a si o trabalho de compilar as opiniões dos antigos filósofos.
sábado, 29 de agosto de 2009
TALES DE MILETO
O primeiro pensador deste grupo é Tales de Mileto (+ - 624 aC – 546 aC). Foi ele o primeiro a postular um princípio único constitutivo de tudo que existe. Para Tales, a água era o princípio absoluto de tudo, explicando, através dela, os tremores de terra. Tratou a alma como o princípio do movimento e, portanto, comum a todas as coisas ou seres que se movem. Santos (2001) argumenta que o nascimento do pensar filosófico ocorre aí porque um princípio único, sempre idêntico, permanece apesar das transformações do mundo visível. Não há a postulação de gerações e filiações como nas Teogonias. “O procedimento racional de Tales indica o momento em que se faz a passagem do Mito ao Logos” (SANTOS, 2001, p. 25). Trata-se de um pensamento fundado na razão pela razão. Para Tales, a água é o princípio que rege a mudança e o devir, transforma-se em tudo e a tudo pode dissolver. Tales denomina esse poder de Physis/Natureza, tomando, aqui, Natureza numa acepção mais ampla que estaque nos é contemporânea. “Para o fundador da filosofia, a Natureza (physis) é o princípio Divino. A natureza tem em si mesma (=é sua estrutura) as características do Divino (causa, governa, orienta e mantém o universo) e a realidade, na sua totalidade, outra coisa não é senão a manifestação do Divino (Natureza = Physis)... Tales entende e propõe o divino tão somente, nos limites da sua visão naturalista, como a realidade primeira e última de todas as coisas, como o início do qual tudo procede, tudo é governado e no qual tudo se resolve” (SANTOS, 2001, 26-27). Nesse sentido, Hegel (1973), em Preleções à História da Filosofia, nos mostra que a proposição de Tales enfatiza a falta de autonomia da existência singular, o fato afirmativo de que o um é gerador de todo o resto. “Temos esta consciência – ... – de reconhecer algo universal para as coisas singulares; mas a água também é uma coisa singular. Aqui está a falha; aquilo que deve ser verdadeiro princípio não precisa ter uma forma unilateral e singular, mas a diferença mesma deve ser de natureza universal... A passagem do universal para o singular é, portanto, um ponto essencial e ele entra na determinação da atividade: para isto existe então a necessidade ” (HEGEL, 1973, 203-205).
Nietzsche aborda o pensamento pré-socrático na compilação “A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos”. Ele afirma que é importante tomar a proposição da água como origem de tudo por três motivos. Primeiro, porque ela enuncia alguma coisa sobre a origem; segundo, porque isso é feito sem fabulações; e, em terceiro, porque nela já está implícito o pensamento de que ‘tudo é um’. Em razão desta última, Tales pode ser reconhecido como o primeiro filósofo grego. “... o que o impeliu a esta foi um postulado metafísico, uma crença que tem sua origem em uma intuição mística e que encontramos em todos os filósofos, ao lado dos esforços sempre renovados para exprimi-la melhor – a proposição “Tudo é um” ” (NIETZSCHE).
Sobre a construção do pensamento filosófico, Nietzsche elabora bela metáfora sobre como o pressentimento e a fantasia põem asas nos pés da filosofia. Essa aliança, defenestrada pelo empirismo positivista tacanho, é motriz do pensamento de Tales e vai marcar a filosofia de tempos em tempos. Esclarecendo, Nietzsche diz textualmente: “... a fantasia tem o poder de captar e iluminar como um relâmpago as semelhanças: mais tarde, a reflexão vem trazer seus critérios e padrões e procura substituir as semelhanças por igualdades, as contigüidades por causalidades ” (NIETZSCHE).
Mesmo que derrubemos a proposição de que “Tudo é água” fica algo, ‘uma força propulsora’, algo como “Tudo é X”. O valor de Tales está em buscar construir um conhecimento não-místico e não-alegórico. “Tales é um mestre criador, que, sem fabulação fantástica, começou a ver a natureza em suas profundezas. Se para isso se serviu, sem dúvida, da ciência e do demonstrável, mas logo saltou por sobre eles, isso é igualmente um caráter típico da cabeça filosófica. A palavra grega que designa o ‘sábio’ se prende, etimologicamente, a sapio, eu saboreio, sapiens, o degustador, sisyphos, o homem do gosto mais apurado”(NIETZSCHE).
Mais ainda: “E assim como, para o dramaturgo, palavra e verso são apenas o balbucio em um língua estrangeira, para dizer nela o que viveu e contemplou e que, diretamente, só poderia anunciar pelos gestos e pela música, assim a expressão daquela intuição filosófica profunda pela dialética e pela reflexão científica é, decerto, por um lado, o único meio de comunicar o contemplado, mas um meio raquítico, no fundo uma transposição metafórica, totalmente infiel, em uma esfera e língua diferentes. Assim, contemplou Tales a unidade de tudo o que é: e quando quis comunicar-se falou da água!”(NIETZSCHE).
Nietzsche aborda o pensamento pré-socrático na compilação “A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos”. Ele afirma que é importante tomar a proposição da água como origem de tudo por três motivos. Primeiro, porque ela enuncia alguma coisa sobre a origem; segundo, porque isso é feito sem fabulações; e, em terceiro, porque nela já está implícito o pensamento de que ‘tudo é um’. Em razão desta última, Tales pode ser reconhecido como o primeiro filósofo grego. “... o que o impeliu a esta foi um postulado metafísico, uma crença que tem sua origem em uma intuição mística e que encontramos em todos os filósofos, ao lado dos esforços sempre renovados para exprimi-la melhor – a proposição “Tudo é um” ” (NIETZSCHE).
Sobre a construção do pensamento filosófico, Nietzsche elabora bela metáfora sobre como o pressentimento e a fantasia põem asas nos pés da filosofia. Essa aliança, defenestrada pelo empirismo positivista tacanho, é motriz do pensamento de Tales e vai marcar a filosofia de tempos em tempos. Esclarecendo, Nietzsche diz textualmente: “... a fantasia tem o poder de captar e iluminar como um relâmpago as semelhanças: mais tarde, a reflexão vem trazer seus critérios e padrões e procura substituir as semelhanças por igualdades, as contigüidades por causalidades ” (NIETZSCHE).
Mesmo que derrubemos a proposição de que “Tudo é água” fica algo, ‘uma força propulsora’, algo como “Tudo é X”. O valor de Tales está em buscar construir um conhecimento não-místico e não-alegórico. “Tales é um mestre criador, que, sem fabulação fantástica, começou a ver a natureza em suas profundezas. Se para isso se serviu, sem dúvida, da ciência e do demonstrável, mas logo saltou por sobre eles, isso é igualmente um caráter típico da cabeça filosófica. A palavra grega que designa o ‘sábio’ se prende, etimologicamente, a sapio, eu saboreio, sapiens, o degustador, sisyphos, o homem do gosto mais apurado”(NIETZSCHE).
Mais ainda: “E assim como, para o dramaturgo, palavra e verso são apenas o balbucio em um língua estrangeira, para dizer nela o que viveu e contemplou e que, diretamente, só poderia anunciar pelos gestos e pela música, assim a expressão daquela intuição filosófica profunda pela dialética e pela reflexão científica é, decerto, por um lado, o único meio de comunicar o contemplado, mas um meio raquítico, no fundo uma transposição metafórica, totalmente infiel, em uma esfera e língua diferentes. Assim, contemplou Tales a unidade de tudo o que é: e quando quis comunicar-se falou da água!”(NIETZSCHE).
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
ANAXIMANDRO DE MILETO
Discípulo e sucessor de Tales, Anaximandro de Mileto representa o conflito humano na busca de uma explicação para a multiplicidade encontrada na realidade a partir de uma única razão originária. Essa razão, para Anaximandro, ao contrário de Tales, não era a água, mas o ÁPEIRON ( o infinito, o ilimitado). “Anaximandro, companheiro de Tales, dizia que o ilimitado é totalmente responsável pela gênese e pela dissolução do universo (...). Afirmava ainda que a dissolução e, muito antes, a gênese, aconteciam repetindo-se tudo isso desde um tempo ilimitado” (Pseudoplutarco, Stromateis, 2, GB, 25-26).
Em fragmento de seu tratado “Acerca da Natureza”, preservado por Simplício (sec VI dC), aparece pela primeira vez o uso do termo ‘ARCHÉ’ para simbolizar o princípio primeiro e a realidade última de tudo. O real seria, então, o resultado de modificações ocorridas nesse princípio original.
“Anaximandro vai, aos poucos, delineando uma nova maneira de ver as coisas no interior da cultura grega. Essa nova visão (naturalista) vai se consolidando lentamente e acentuando a ruptura com a mentalidade anterior tradicional, mítico-poética. O universo passa a ser visto como uma estrutura dinâmica no interior da qual se digladiam os pares de opostos. Essa ruptura cresce na medida em que Anaximandro apresenta os contrários como elementos físicos (qualidades inseparáveis da matéria na qual se encontram e que lhes serve de sustentação), destituídos dos aspectos de divinização característicos do corpo de saber anterior” (SANTOS, 2001, 30-31).
O ápeiron de Anaximandro não se assemelha a qualquer tipo de substância ou elemento presente no mundo. Ele é 'espacialmente indefinido e qualitativamente indeterminado' (SANTOS, 2001, 31) e, portanto, não se trata de algo perceptível no mundo da physis. A esse princípio original são atribuídas características como imortalidade e poder ilimitado de governo sobre as coisas, atributos comuns também aos deuses homéricos.
As especulações filosóficas de Anaximandro nutriam-se também de suas observações do fluir das estações do ano. Essas observações levam-no a concluir sobre a necessária reversão contínua dos opostos que constituem o princípio ápeiron, assegurando, desse modo, a igualdade e a estabilidade. Os contrários que constituem o ápeiron são, para Anaximandro, o quente e o frio, o seco e o úmido. “A estabilidade e o equilíbrio que mantêm a harmonia (a ordem) do universo acontecem ‘de acordo com o decreto do Tempo’. O Tempo, que é o poderoso Tribunal ou Juiz (...), é quem decreta os prazos e regula os períodos... ” (SANTOS, 2001, 32).
Interessante observar que Anaximandro afiram ser o ápeiron dotado de um movimento terno e rotacional, semelhante a um rodamoinho (Mais interessante ainda me lembrar agora de Guimarães Rosa e o seu diabo na rua, no meio do rodamoinho – Grande Sertão). É o movimento rotacional eterno do apeíron que leva à separação dos opostos. Esse mesmo fluir em movimento tornam necessárias a destruição e a morte, condições exigidas pela ação julgadora do Tempo.
Daí desenvolve-se toda uma explicação para o surgimento do cosmos, das estrelas, dos astros, enfim. Anaximandro descreve a Terra como um astro suspenso e imóvel no espaço, cujo equilíbrio é assegurado pela ação de forças contrárias e de mesmo peso. “Há os que afirmam, como Anaximandro entre os antigos, que a Terra, em virtude de sua igualdade, permanece fixa em seu lugar. Pois, o que está situado no centro e a igual distância dos extremos, não pode se mover, ao mesmo tempo, em direções contrárias. Acha-se, portanto, necessariamente em repouso” (ARISTÓTELES, Do Céu II, 13, 295b).
Além da cosmologia, Anaximandro fez especulações sobre as origens do animal humano. Defendia a hipótese de que o ser humano desenvolveu-se a partir de animas de outra espécie. Tais especulações fizeram dele o precursor da moderna teoria evolucionista. Esse insight só foi possível porque Anaximandro nunca se esqueceu de que o homem é parte integrante da physis.
Nietzsche diz de Anaximandro que este com certeza foi o primeiro filósofo grego dado que escreveu seus textos como tal – suas frases e seu estilo são testemunhos de suas iluminações. O alemão se interroga diante da seguinte passagem do grego: “De onde as coisas têm seu nascimento, ali também devem ir ao fundo, segundo a necessidade; pois têm de pagar penitência e de ser julgadas por suas injustiças, conforme a ordem do tempo.” Como interpretar isto? – pergunta Nietzsche.
Ele mesmo responde ao apontar para possíveis usos moralistas das postulações de Anaximandro. Reflete também sobre as relações entre o vir-a-ser e a eternidade: “Pode não ser lógico, mas em todo caso, é bem humano e, além disso, está no estilo do salto filosófico descrito antes, considerar agora, com Anaximandro, todo vir-a-ser como uma emancipação do ser eterno, digna de castigo, como um injustiça que deve ser expiada pelo sucumbir.Tudo o que alguma vez veio a ser, também perece outra vez, quer pensemos na vida humana, quer na água, quer no quente e no frio: por toda parte, onde podem ser percebidas propriedades podemos profetizar o sucumbir dessas propriedades, de acordo com uma monstruosa prova experimental. Nunca, portanto, um ser que possui propriedades determinadas, e consiste nelas, pode ser origem e princípio das coisas; o que é verdadeiramente, conclui Anaximandro, não pode possuir propriedades determinadas, senão teria nascido como todas as outras coisas, e teria de vir ao fundo. Para que o vir-a-ser não cesse, o ser originário tem de ser indeterminado. A imortalidade e eternidade do ser originário não está em sua infinitude e inexaurabilidade – como comumente admitem os comentadores de Anaximandro –, mas em ser destituído de qualidades determinadas, que levam a sucumbir: e é por isso, também, que ele traz o nome de ‘o indeterminado’. O ser originário assim denominado está acima do vir-a-ser e, justamente por isso, garante a eternidade e o curso ininterrupto do vir-a-ser. Essa unidade última naquele indeterminado’, matriz de todas as coisas, por certo só pode ser designada negativamente...”( NIETZSCHE - A Filosofia na Época Trágica dos Gregos).
Impossível, para mim, não fazer relações entre as postulações de Anaximandro e os comentários de Nietzsche com a descrição cabalística da esfera do Imanifesto acima da substanciação primeira em Kether. Que a alma salte cada vez mais alto e mais longe; que ela voe alto, paire e depois desça em busca da melhor caça; que os altos penhascos sejam sua moradia eterna, seu habitat natural. Que a noite se torne grande e profunda porque o dia que dela nasce só pode ser, por natureza, por sua matriz, gigantesco e luminoso.
Em fragmento de seu tratado “Acerca da Natureza”, preservado por Simplício (sec VI dC), aparece pela primeira vez o uso do termo ‘ARCHÉ’ para simbolizar o princípio primeiro e a realidade última de tudo. O real seria, então, o resultado de modificações ocorridas nesse princípio original.
“Anaximandro vai, aos poucos, delineando uma nova maneira de ver as coisas no interior da cultura grega. Essa nova visão (naturalista) vai se consolidando lentamente e acentuando a ruptura com a mentalidade anterior tradicional, mítico-poética. O universo passa a ser visto como uma estrutura dinâmica no interior da qual se digladiam os pares de opostos. Essa ruptura cresce na medida em que Anaximandro apresenta os contrários como elementos físicos (qualidades inseparáveis da matéria na qual se encontram e que lhes serve de sustentação), destituídos dos aspectos de divinização característicos do corpo de saber anterior” (SANTOS, 2001, 30-31).
O ápeiron de Anaximandro não se assemelha a qualquer tipo de substância ou elemento presente no mundo. Ele é 'espacialmente indefinido e qualitativamente indeterminado' (SANTOS, 2001, 31) e, portanto, não se trata de algo perceptível no mundo da physis. A esse princípio original são atribuídas características como imortalidade e poder ilimitado de governo sobre as coisas, atributos comuns também aos deuses homéricos.
As especulações filosóficas de Anaximandro nutriam-se também de suas observações do fluir das estações do ano. Essas observações levam-no a concluir sobre a necessária reversão contínua dos opostos que constituem o princípio ápeiron, assegurando, desse modo, a igualdade e a estabilidade. Os contrários que constituem o ápeiron são, para Anaximandro, o quente e o frio, o seco e o úmido. “A estabilidade e o equilíbrio que mantêm a harmonia (a ordem) do universo acontecem ‘de acordo com o decreto do Tempo’. O Tempo, que é o poderoso Tribunal ou Juiz (...), é quem decreta os prazos e regula os períodos... ” (SANTOS, 2001, 32).
Interessante observar que Anaximandro afiram ser o ápeiron dotado de um movimento terno e rotacional, semelhante a um rodamoinho (Mais interessante ainda me lembrar agora de Guimarães Rosa e o seu diabo na rua, no meio do rodamoinho – Grande Sertão). É o movimento rotacional eterno do apeíron que leva à separação dos opostos. Esse mesmo fluir em movimento tornam necessárias a destruição e a morte, condições exigidas pela ação julgadora do Tempo.
Daí desenvolve-se toda uma explicação para o surgimento do cosmos, das estrelas, dos astros, enfim. Anaximandro descreve a Terra como um astro suspenso e imóvel no espaço, cujo equilíbrio é assegurado pela ação de forças contrárias e de mesmo peso. “Há os que afirmam, como Anaximandro entre os antigos, que a Terra, em virtude de sua igualdade, permanece fixa em seu lugar. Pois, o que está situado no centro e a igual distância dos extremos, não pode se mover, ao mesmo tempo, em direções contrárias. Acha-se, portanto, necessariamente em repouso” (ARISTÓTELES, Do Céu II, 13, 295b).
Além da cosmologia, Anaximandro fez especulações sobre as origens do animal humano. Defendia a hipótese de que o ser humano desenvolveu-se a partir de animas de outra espécie. Tais especulações fizeram dele o precursor da moderna teoria evolucionista. Esse insight só foi possível porque Anaximandro nunca se esqueceu de que o homem é parte integrante da physis.
Nietzsche diz de Anaximandro que este com certeza foi o primeiro filósofo grego dado que escreveu seus textos como tal – suas frases e seu estilo são testemunhos de suas iluminações. O alemão se interroga diante da seguinte passagem do grego: “De onde as coisas têm seu nascimento, ali também devem ir ao fundo, segundo a necessidade; pois têm de pagar penitência e de ser julgadas por suas injustiças, conforme a ordem do tempo.” Como interpretar isto? – pergunta Nietzsche.
Ele mesmo responde ao apontar para possíveis usos moralistas das postulações de Anaximandro. Reflete também sobre as relações entre o vir-a-ser e a eternidade: “Pode não ser lógico, mas em todo caso, é bem humano e, além disso, está no estilo do salto filosófico descrito antes, considerar agora, com Anaximandro, todo vir-a-ser como uma emancipação do ser eterno, digna de castigo, como um injustiça que deve ser expiada pelo sucumbir.Tudo o que alguma vez veio a ser, também perece outra vez, quer pensemos na vida humana, quer na água, quer no quente e no frio: por toda parte, onde podem ser percebidas propriedades podemos profetizar o sucumbir dessas propriedades, de acordo com uma monstruosa prova experimental. Nunca, portanto, um ser que possui propriedades determinadas, e consiste nelas, pode ser origem e princípio das coisas; o que é verdadeiramente, conclui Anaximandro, não pode possuir propriedades determinadas, senão teria nascido como todas as outras coisas, e teria de vir ao fundo. Para que o vir-a-ser não cesse, o ser originário tem de ser indeterminado. A imortalidade e eternidade do ser originário não está em sua infinitude e inexaurabilidade – como comumente admitem os comentadores de Anaximandro –, mas em ser destituído de qualidades determinadas, que levam a sucumbir: e é por isso, também, que ele traz o nome de ‘o indeterminado’. O ser originário assim denominado está acima do vir-a-ser e, justamente por isso, garante a eternidade e o curso ininterrupto do vir-a-ser. Essa unidade última naquele indeterminado’, matriz de todas as coisas, por certo só pode ser designada negativamente...”( NIETZSCHE - A Filosofia na Época Trágica dos Gregos).
Impossível, para mim, não fazer relações entre as postulações de Anaximandro e os comentários de Nietzsche com a descrição cabalística da esfera do Imanifesto acima da substanciação primeira em Kether. Que a alma salte cada vez mais alto e mais longe; que ela voe alto, paire e depois desça em busca da melhor caça; que os altos penhascos sejam sua moradia eterna, seu habitat natural. Que a noite se torne grande e profunda porque o dia que dela nasce só pode ser, por natureza, por sua matriz, gigantesco e luminoso.
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
ANAXÍMENES DE MILETO
Discípulo e sucessor de Anaximandro, Anaxímenes escreveu uma obra (Acerca da Natureza) na qual tratou do problema do princípio das coisas e da origem e desenvolvimento do universo a partir deste princípio. O movimento eterno deste princípio é causa do nascimento, da mudança e do desaparecimento das coisas.
Para Anaxímenes, esse princípio originário era o Ar. Simplício, em sua Física, afirma que par Anaxímenes “a natureza subjacente é uma e infinita, mas não indefinida, como afirmou Anaximandro, mas definida, porquanto a identifica com o ar; e que ela difere na sua natureza substancial pelo grau de rarefação e de densidade.” Enquanto para Anaximandro, o Ápeiron era um princípio indeterminado, para Anaxímenes, o Ar infinito – princípio originário – é infinito em grandeza, mas qualitativamente determinado. Por meio de Simplício, Anaxímenes afirma:
“O ar se diferencia nas várias substâncias segundo o grau de rarefação e condensação: e assim dilatando-se dá origem ao fogo, enquanto condensando-se dá origem ao vento e depois às nuvens; em grau maior de densidade forma a água, depois a terra e em seguida as pedras, as outras coisas derivam destas.”
Tomar o Ar como arché (princípio originário) tem por base o fato de este elemento ser invisível, sem limites, mais sutil e imperceptível. Como seus antecessores, Anaxímenes atribui ao seu princípio (Ar) características divinas, tomando como incriado, imutável e imperecível.
Para Anaxímenes, esse princípio originário era o Ar. Simplício, em sua Física, afirma que par Anaxímenes “a natureza subjacente é uma e infinita, mas não indefinida, como afirmou Anaximandro, mas definida, porquanto a identifica com o ar; e que ela difere na sua natureza substancial pelo grau de rarefação e de densidade.” Enquanto para Anaximandro, o Ápeiron era um princípio indeterminado, para Anaxímenes, o Ar infinito – princípio originário – é infinito em grandeza, mas qualitativamente determinado. Por meio de Simplício, Anaxímenes afirma:
“O ar se diferencia nas várias substâncias segundo o grau de rarefação e condensação: e assim dilatando-se dá origem ao fogo, enquanto condensando-se dá origem ao vento e depois às nuvens; em grau maior de densidade forma a água, depois a terra e em seguida as pedras, as outras coisas derivam destas.”
Tomar o Ar como arché (princípio originário) tem por base o fato de este elemento ser invisível, sem limites, mais sutil e imperceptível. Como seus antecessores, Anaxímenes atribui ao seu princípio (Ar) características divinas, tomando como incriado, imutável e imperecível.
quarta-feira, 26 de agosto de 2009
PITÁGORAS DE SAMOS
Pitágoras de Samos talvez seja a principal figura do grupo de pensadores tradicionalmente denominado Pré-Socráticos. Tornou-se figura lendária e a Escola por ele fundada manteve seguidores até a época do Império Romano. Foi o primeiro pensador a usar os termos filósofo e filosofia.
A Escola Pitagórica tinha características de uma ordem iniciática, cujo principal objetivo era o aprimoramento pessoal através dos estudos filosóficos e matemáticos. O silêncio era a regra principal na Escola. Qualquer novo adepto deveria mantê-lo por um período de cinco anos para que fosse aceito finalmente no grupo. Havia também restrições severas quanto ao vestuário e à alimentação. O consumo da carne era proibido entre eles.
Por causa da lei do silêncio, não se registrou por escrito nada dos ensinamentos de Pitágoras. Os dados que nos chegaram são obras de autores e adeptos bastante posteriores que acabaram por romper o silêncio. Os ensinamentos da Escola Pitagórica são encontrados de forma clara ou oculta em vários pensadores posteriores. De Platão até Plotino (Período Romano), vários autores, mesmo que não declaradamente, beberam na fonte pitagórica. Segundo Gorman ...., p.125: “... as doutrinas de Pitágoras foram pregadas abertamente por um período de mil e duzentos anos, que se estendem do século VI aC ao século VI dC, após o que a Idade do Obscurantismo destruiu praticamente tudo. Em Bizâncio, contudo, havia muitos pagãos que, às escondidas, preservaram os antigos valores que reapareceram no Renascimento italiano, quando um bizantino, chamado Pleto, anunciou o retorno dos antigos deuses em sua obra intitulada leis.”
Mas quais eram os principais pontos do pitagorismo? Em se tratando de Pitágoras, é conhecimento bastante difundido que sua escola filosófica desenvolveu-se em torno da noção e do valor do número como entidade explicativa do mundo. Aristóteles, na sua Metafísica, afirma que, para os pitagóricos, os princípios matemáticos – ou seja, os números – são a origem das coisas. Fica claro, portanto, que para Pitágoras, os números ocupam o mesmo lugar que os princípios materiais propostos pelos pensadores que lhe foram anteriores. A matemática tem sua importância enquanto fundamento da ordem e da unidade do mundo.
É importante lembrar que, na época de Pitágoras, não se usavam os numerais indo-arábicos. Usavam-se seixos em disposição espacial no chão ou outra superfície. Daí a relação entre significado aritmético e significado geométrico. A tetraktys, figura abaixo
tinha status de figura sacra e sobre ela faziam-se juramentos. Essa figura representa o número 10 numa disposição geométrica cujos lados são formados pelo número 4. Cada número na seqüência 1-10 é analisado em suas potencialidades significativas e as oposições entre os números explicam oposições entre as coisas. A partir da oposição fundante do par/ímpar, os pitagóricos desenvolvem um quadro das oposições fundamentais (limite/ilimitado, unidade/multiplicidade, direita/esquerda, macho/fêmea, quietude/movimento, reta/curva, luz/trevas, bem/mal, quadrado/retângulo). A harmonia, que se revela especialmente na música, é a responsável pela conciliação desses opostos.
Tomando como os números como base de uma metafísica refinada, os pitagóricos elaboraram doutrinas cosmológicas e antropológicas. Para Filolau, pensador pitagórico, a diversidade encontrada nos elementos corpóreos devia-se às formas geométricas das particulares que os formavam. Sua cosmogonia estabelecia a existência de um fogo central – a mãe dos deuses ou Héstia – que atrai para si as partes do ilimitado que o circundam. Essas partes são limitadas e plasmadas por esta atração. A repetição desse processo forma o universo. Para Abbagnano 1976, p. 41, “é notável que, em conformidade com esta cosmogonia, os pitagóricos cheguem a uma doutrina cosmológica que os faz contar entre os predecessores de Copérnico. O mundo é por eles concebido como uma esfera, no centro da qual está o fogo originário, e em trono dele movem-se de ocidente para oriente, dez corpos celestes...” O movimento harmônico dos corpos celestes produz um som musical que Pitágoras denominou ‘música das esferas’. Além do cosmos, a harmonia está presente na alma humana, justificando a elaboração de uma ética pautada na justiça, essa, por sua vez, representada por um número quadrado. Do número ao número, a perfeição não está no começo, mas no fim.
A Escola Pitagórica tinha características de uma ordem iniciática, cujo principal objetivo era o aprimoramento pessoal através dos estudos filosóficos e matemáticos. O silêncio era a regra principal na Escola. Qualquer novo adepto deveria mantê-lo por um período de cinco anos para que fosse aceito finalmente no grupo. Havia também restrições severas quanto ao vestuário e à alimentação. O consumo da carne era proibido entre eles.
Por causa da lei do silêncio, não se registrou por escrito nada dos ensinamentos de Pitágoras. Os dados que nos chegaram são obras de autores e adeptos bastante posteriores que acabaram por romper o silêncio. Os ensinamentos da Escola Pitagórica são encontrados de forma clara ou oculta em vários pensadores posteriores. De Platão até Plotino (Período Romano), vários autores, mesmo que não declaradamente, beberam na fonte pitagórica. Segundo Gorman ...., p.125: “... as doutrinas de Pitágoras foram pregadas abertamente por um período de mil e duzentos anos, que se estendem do século VI aC ao século VI dC, após o que a Idade do Obscurantismo destruiu praticamente tudo. Em Bizâncio, contudo, havia muitos pagãos que, às escondidas, preservaram os antigos valores que reapareceram no Renascimento italiano, quando um bizantino, chamado Pleto, anunciou o retorno dos antigos deuses em sua obra intitulada leis.”
Mas quais eram os principais pontos do pitagorismo? Em se tratando de Pitágoras, é conhecimento bastante difundido que sua escola filosófica desenvolveu-se em torno da noção e do valor do número como entidade explicativa do mundo. Aristóteles, na sua Metafísica, afirma que, para os pitagóricos, os princípios matemáticos – ou seja, os números – são a origem das coisas. Fica claro, portanto, que para Pitágoras, os números ocupam o mesmo lugar que os princípios materiais propostos pelos pensadores que lhe foram anteriores. A matemática tem sua importância enquanto fundamento da ordem e da unidade do mundo.
É importante lembrar que, na época de Pitágoras, não se usavam os numerais indo-arábicos. Usavam-se seixos em disposição espacial no chão ou outra superfície. Daí a relação entre significado aritmético e significado geométrico. A tetraktys, figura abaixo
tinha status de figura sacra e sobre ela faziam-se juramentos. Essa figura representa o número 10 numa disposição geométrica cujos lados são formados pelo número 4. Cada número na seqüência 1-10 é analisado em suas potencialidades significativas e as oposições entre os números explicam oposições entre as coisas. A partir da oposição fundante do par/ímpar, os pitagóricos desenvolvem um quadro das oposições fundamentais (limite/ilimitado, unidade/multiplicidade, direita/esquerda, macho/fêmea, quietude/movimento, reta/curva, luz/trevas, bem/mal, quadrado/retângulo). A harmonia, que se revela especialmente na música, é a responsável pela conciliação desses opostos.
Tomando como os números como base de uma metafísica refinada, os pitagóricos elaboraram doutrinas cosmológicas e antropológicas. Para Filolau, pensador pitagórico, a diversidade encontrada nos elementos corpóreos devia-se às formas geométricas das particulares que os formavam. Sua cosmogonia estabelecia a existência de um fogo central – a mãe dos deuses ou Héstia – que atrai para si as partes do ilimitado que o circundam. Essas partes são limitadas e plasmadas por esta atração. A repetição desse processo forma o universo. Para Abbagnano 1976, p. 41, “é notável que, em conformidade com esta cosmogonia, os pitagóricos cheguem a uma doutrina cosmológica que os faz contar entre os predecessores de Copérnico. O mundo é por eles concebido como uma esfera, no centro da qual está o fogo originário, e em trono dele movem-se de ocidente para oriente, dez corpos celestes...” O movimento harmônico dos corpos celestes produz um som musical que Pitágoras denominou ‘música das esferas’. Além do cosmos, a harmonia está presente na alma humana, justificando a elaboração de uma ética pautada na justiça, essa, por sua vez, representada por um número quadrado. Do número ao número, a perfeição não está no começo, mas no fim.
terça-feira, 25 de agosto de 2009
XENÓFANES
A Escola Eleática trata o devir como aparência assumindo a substância como princípio metafísico. Para a escola eleática, a substância não é vista como elemento corpóreo (como para os filósofos de Mileto) ou um número (como para os pitagóricos), mas “...como substância, como permanência e necessidade do ser enquanto ser” (ABBAGNO, 1976, p.43).
Para eles, a substância é o ser que é e deve ser: é o ser na sua unidade e imutabilidade, que faz dele o único objeto de pensamento, o único termo da pesquisa filosófica. Ele pressupõe indubitavelmente a pesquisa cosmológica dos jônicos e dos pitagóricos, mas subtrai-a ao seu pressuposto naturalista e trá-la pela primeira vez ao plano ontológico em que deveriam enraizar-se os sistemas de Platão e de Aristóteles.”(ABBAGNO, 1976, p.43)
O eleatismo iniciou-se com Xenófanes, o primeiro a afirmar a unidade do ser. Além disso, criticou também o antropomorfismo religioso dos gregos. Para ele, a divindade identifica-se com o universo, um deus-tudo eterno. Em fragmento de sua Física, Simplício registra que “Teofrasto diz que Xenófanes de Cólofon, mestre de Parmênides, supôs que o princípio era um só ou que a totalidade do que existe era uma (nem limitada, nem ilimitada, nem em movimento, nem em repouso)”.
Fragmentos do próprio Xenófanes evidenciam sua concepção de Deus:
“Existe um só deus, o maior dentre os deuses e os homens, em nada semelhante aos mortais quer no corpo, quer no pensamento.”
“Todo inteiro vê, todo inteiro entende, todo inteiro ouve.”
“Permanece sempre imóvel no mesmo lugar; e não lhe convém mover-se de um lugar para outro.”
Este último fragmento, segundo Hegel (1973), permite observar um mudança na concepção filosófica de movimento que, a partir de Xenófanes, deixa de ser um movimento objetivo (como um surgir e desaparecer na filosófica física) e passa a ser encarado como subjetivo, sensível, aparente, fruto das percepções dos sentidos, posto que a essência em si é imóvel.
Hegel (1973) reconhece, ainda, que, com a escola eleática, o pensamento é, pela primeira vez, tomado em sua essência, como busca de conceitualização, como origem e destino abstrato das coisas: “O pensamento está assim, na escola eleática propriamente e pela primeira vez, manifestado livre para si”.
Deus, para Xenófanes, não nasce, não se modifica e não morre, é eterno. Eterno é, entretanto, uma palavra problemática, pois nossa tendência é pensarmos em uma extensão temporal infinita. Porém, o termo aídion/eterno corresponde àquilo que é igual a si mesmo, sempre presente, atemporal.
Se a essência é concebida como imóvel e eterna, o devir, a mudança, o movimento é resultado da percepção subjetiva e, portanto, deve integrar o terreno da opinião: “A mudança, eliminada da essência, e a multiplicidade passaram para o outro lado, para a consciência, para alguém que opina” (Hegel 1973).
É difícil pensar em Xenófanes como fundador da Escola de Eléia já que, por seus próprios testemunhos, levou uma vida andarilha e errante. E embora ele e Parmênides partam de uma mesma orientação filosófica a respeito de deus, reduzindo a realidade ao UNO e a o SER, suas concepções de uno e de ser mostram-se bastante diferenciadas. Assim, considera-se Parmênides como o fundador do eleatismo.
Para eles, a substância é o ser que é e deve ser: é o ser na sua unidade e imutabilidade, que faz dele o único objeto de pensamento, o único termo da pesquisa filosófica. Ele pressupõe indubitavelmente a pesquisa cosmológica dos jônicos e dos pitagóricos, mas subtrai-a ao seu pressuposto naturalista e trá-la pela primeira vez ao plano ontológico em que deveriam enraizar-se os sistemas de Platão e de Aristóteles.”(ABBAGNO, 1976, p.43)
O eleatismo iniciou-se com Xenófanes, o primeiro a afirmar a unidade do ser. Além disso, criticou também o antropomorfismo religioso dos gregos. Para ele, a divindade identifica-se com o universo, um deus-tudo eterno. Em fragmento de sua Física, Simplício registra que “Teofrasto diz que Xenófanes de Cólofon, mestre de Parmênides, supôs que o princípio era um só ou que a totalidade do que existe era uma (nem limitada, nem ilimitada, nem em movimento, nem em repouso)”.
Fragmentos do próprio Xenófanes evidenciam sua concepção de Deus:
“Existe um só deus, o maior dentre os deuses e os homens, em nada semelhante aos mortais quer no corpo, quer no pensamento.”
“Todo inteiro vê, todo inteiro entende, todo inteiro ouve.”
“Permanece sempre imóvel no mesmo lugar; e não lhe convém mover-se de um lugar para outro.”
Este último fragmento, segundo Hegel (1973), permite observar um mudança na concepção filosófica de movimento que, a partir de Xenófanes, deixa de ser um movimento objetivo (como um surgir e desaparecer na filosófica física) e passa a ser encarado como subjetivo, sensível, aparente, fruto das percepções dos sentidos, posto que a essência em si é imóvel.
Hegel (1973) reconhece, ainda, que, com a escola eleática, o pensamento é, pela primeira vez, tomado em sua essência, como busca de conceitualização, como origem e destino abstrato das coisas: “O pensamento está assim, na escola eleática propriamente e pela primeira vez, manifestado livre para si”.
Deus, para Xenófanes, não nasce, não se modifica e não morre, é eterno. Eterno é, entretanto, uma palavra problemática, pois nossa tendência é pensarmos em uma extensão temporal infinita. Porém, o termo aídion/eterno corresponde àquilo que é igual a si mesmo, sempre presente, atemporal.
Se a essência é concebida como imóvel e eterna, o devir, a mudança, o movimento é resultado da percepção subjetiva e, portanto, deve integrar o terreno da opinião: “A mudança, eliminada da essência, e a multiplicidade passaram para o outro lado, para a consciência, para alguém que opina” (Hegel 1973).
É difícil pensar em Xenófanes como fundador da Escola de Eléia já que, por seus próprios testemunhos, levou uma vida andarilha e errante. E embora ele e Parmênides partam de uma mesma orientação filosófica a respeito de deus, reduzindo a realidade ao UNO e a o SER, suas concepções de uno e de ser mostram-se bastante diferenciadas. Assim, considera-se Parmênides como o fundador do eleatismo.
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
PARMÊNIDES
De Parmênides, há um poema denominado “Acerca da Natureza” do qual restam 154 versos. Trata-se de um poema dividido em duas partes, uma relativa à doutrina da verdade e a outra à doutrina da opinião. A proposta filosófica de Parmênides baseia-se no contraste entre a verdade e a aparência. Nesse caso, o conhecimento sensível, que é o conhecimento da aparência, é o caminho do engano. Somente a razão deve ser o instrumento para o conhecimento da verdade.
“Ora a razão demonstra facilmente que não se pode nem pensar nem exprimir o não ser. Não se pode pensar sem pensar alguma coisa; o pensar coisa nenhuma é um não pensar, o dizer coisa nenhuma é um não dizer. O pensamento e a expressão devem, em todas s circunstâncias, ter um objeto e este objeto é o ser.” (ABBAGNO, 1976, p.46)
Parmênides pode ser considerado fundamental à evolução da filosofia grega. Ao tratar a unidade como uma exigência da razão, o filósofo radicaliza a visão monista da realidade. Para ele, o movimento, a mudança e a multiplicidade não são cabíveis. Para Santos (2001), Parmênides é o primeiro grande metafísico da história, pois foi ele quem primeiramente usou a Razão para refletir sobre uma noção formal e abstrata do ser: “A razão quando realiza a função que lhe é própria, quando pensa, quando raciocina tem por objeto, unicamente o ser. O não-ser, o nada, o que não existe não pode ser objeto de pensamento, simplesmente, porque é impensável. É neste sentido que Parmênides disse: pensar e ser são a mesma coisa, porque só o ser (única realidade) é objeto do pensamento e, sem o ser, não haveria o que pensar, nem como expressar o pensamento.” (SANTOS, 2001, 64-65).
O vir-a-ser, o movimento, a mudança, advindos da experiência sensorial, são ilusões que devem ser superados pelo uso da Razão. A conversão filosófica é uma viagem dos domínios escuros da ignorância aos domínios luminosos do conhecimento verdadeiro do ser. Esse é o tema central de seu poema “Acerca da Natureza”. Em um fragmento do texto, a deusa justiça assim lhe diz: “Contudo, também isto aprenderás: como a diversidade das aparências deve revelar uma presença que merece ser percebida, penetrando tudo totalmente.”
O ser de Parmênides, portanto, fica além da aparência das coisas, das quais constitui a estrutura necessária, reconhecível pelo pensamento. O filósofo caracteriza esta estrutura em termos da modalidade da necessidade. O ser verdadeiro é, pois, o ser necessário. A característica principal do ser é a necessidade: “o ser é e não pode não ser” – é sua tese fundamental. A eternidade é a necessidade por trás do tempo porque, para Parmênides, a eternidade é vista como negação do tempo.
Mais à frente, a deusa lhe fala acerca dos dois únicos caminhos possíveis: “O primeiro (diz) que (o ser) é e que o não ser não é; este é o caminho da convicção, pois conduz á verdade. O segundo, que não é, é, que o não-ser é necessário; esta via, digo-te, é imperscrutável; pois não podes, conhecer aquilo que não é – isto é impossível –, nem expressá-lo em palavra.” Não há aqui como não fazer relações com o domínio de AIN - a negatividade cabalística.
Para mim, este não-ser presente no fragmento de Parmênides é diferente daquele não-ser resultado da experienciação sensível do mundo. Tratar um pelo outro é distorcer a afirmação acima. Um é pré-existente e o outro pós-existente ao ser; um, o terreno do Imanifesto; o outro, o território da multiplicidade aparente, da fragmentação.
Santos (2001) afirma que Parmênides, ao atribuir ao ser somente um único significado, trata em termos absolutos os conceitos de ser e não-ser. Esse Absoluto, modernamente, é identificado como Princípio Impricipiado, como Condição Incondicionada. A compreensão de TUDO leva à descoberta da verdade plena, “... uma massa de esfera bem redonda, equilibrada desde seu centro em todas as direções...” (PARMÊNIDES, Fragmento 8). Novamente, vem à tona uma similitude com as esferas formadoras da Árvore da Vida.
Sobre o uso explicativo da imagem da esfera, JV Luce (1994) é pontual e claro: “Essa esfera do mundo é um objeto material ou imaterial? Essa pergunta seria quase certamente sem sentido para Parmênides, pois nenhuma distinção inabalável e filosófica entre corpóreo e incorpóreo tinha sido até então esboçada. Parmênides insta-nos a pensar o universo em vez de tentar imaginá-lo ou percebê-lo. Nossa tendência é visualizar os corpos celestes como esferas movendo-se através do espaço vazio. Para Parmênides, não há espaço vazio, já que o Todo é um espaço pleno sem nenhum movimento, já que o Todo está em repouso.”
Como, ao ler isso, não se pode pensar nas postulações da cosmologia contemporânea sobre a matéria e a energia escuras? O próprio Luce faz este tipo de relação ao considerar que: “Na Geometria de Euclides, as linhas retas podem prolongar-se infinitamente. Par Einstein, o espaço é curvo, e o universo é finito, porém limitado. A esfera da realidade de Parmênides parece mais einsteiniana que euclidiana. A comparação é sua maneira de enfatizar a perfeição da realidade, pois a esfera é a figura perfeita cuja superfície é uma e contínua em todas as direções.” Como, aqui, não retomar também a concepção hermética de Deus como uma esfera cujo centro está em tudo e cuja circunferência não está em lugar nenhum?
O pensamento de Parmênides, em razão de sua abstração, faz com que o objeto filosófico migre do mundo material natural, da physis, para o mundo da essência, das propriedades ao ser, da metafísica contrapondo-se, assim, às propostas anteriores dos milésios.
“Ora a razão demonstra facilmente que não se pode nem pensar nem exprimir o não ser. Não se pode pensar sem pensar alguma coisa; o pensar coisa nenhuma é um não pensar, o dizer coisa nenhuma é um não dizer. O pensamento e a expressão devem, em todas s circunstâncias, ter um objeto e este objeto é o ser.” (ABBAGNO, 1976, p.46)
Parmênides pode ser considerado fundamental à evolução da filosofia grega. Ao tratar a unidade como uma exigência da razão, o filósofo radicaliza a visão monista da realidade. Para ele, o movimento, a mudança e a multiplicidade não são cabíveis. Para Santos (2001), Parmênides é o primeiro grande metafísico da história, pois foi ele quem primeiramente usou a Razão para refletir sobre uma noção formal e abstrata do ser: “A razão quando realiza a função que lhe é própria, quando pensa, quando raciocina tem por objeto, unicamente o ser. O não-ser, o nada, o que não existe não pode ser objeto de pensamento, simplesmente, porque é impensável. É neste sentido que Parmênides disse: pensar e ser são a mesma coisa, porque só o ser (única realidade) é objeto do pensamento e, sem o ser, não haveria o que pensar, nem como expressar o pensamento.” (SANTOS, 2001, 64-65).
O vir-a-ser, o movimento, a mudança, advindos da experiência sensorial, são ilusões que devem ser superados pelo uso da Razão. A conversão filosófica é uma viagem dos domínios escuros da ignorância aos domínios luminosos do conhecimento verdadeiro do ser. Esse é o tema central de seu poema “Acerca da Natureza”. Em um fragmento do texto, a deusa justiça assim lhe diz: “Contudo, também isto aprenderás: como a diversidade das aparências deve revelar uma presença que merece ser percebida, penetrando tudo totalmente.”
O ser de Parmênides, portanto, fica além da aparência das coisas, das quais constitui a estrutura necessária, reconhecível pelo pensamento. O filósofo caracteriza esta estrutura em termos da modalidade da necessidade. O ser verdadeiro é, pois, o ser necessário. A característica principal do ser é a necessidade: “o ser é e não pode não ser” – é sua tese fundamental. A eternidade é a necessidade por trás do tempo porque, para Parmênides, a eternidade é vista como negação do tempo.
Mais à frente, a deusa lhe fala acerca dos dois únicos caminhos possíveis: “O primeiro (diz) que (o ser) é e que o não ser não é; este é o caminho da convicção, pois conduz á verdade. O segundo, que não é, é, que o não-ser é necessário; esta via, digo-te, é imperscrutável; pois não podes, conhecer aquilo que não é – isto é impossível –, nem expressá-lo em palavra.” Não há aqui como não fazer relações com o domínio de AIN - a negatividade cabalística.
Para mim, este não-ser presente no fragmento de Parmênides é diferente daquele não-ser resultado da experienciação sensível do mundo. Tratar um pelo outro é distorcer a afirmação acima. Um é pré-existente e o outro pós-existente ao ser; um, o terreno do Imanifesto; o outro, o território da multiplicidade aparente, da fragmentação.
Santos (2001) afirma que Parmênides, ao atribuir ao ser somente um único significado, trata em termos absolutos os conceitos de ser e não-ser. Esse Absoluto, modernamente, é identificado como Princípio Impricipiado, como Condição Incondicionada. A compreensão de TUDO leva à descoberta da verdade plena, “... uma massa de esfera bem redonda, equilibrada desde seu centro em todas as direções...” (PARMÊNIDES, Fragmento 8). Novamente, vem à tona uma similitude com as esferas formadoras da Árvore da Vida.
Sobre o uso explicativo da imagem da esfera, JV Luce (1994) é pontual e claro: “Essa esfera do mundo é um objeto material ou imaterial? Essa pergunta seria quase certamente sem sentido para Parmênides, pois nenhuma distinção inabalável e filosófica entre corpóreo e incorpóreo tinha sido até então esboçada. Parmênides insta-nos a pensar o universo em vez de tentar imaginá-lo ou percebê-lo. Nossa tendência é visualizar os corpos celestes como esferas movendo-se através do espaço vazio. Para Parmênides, não há espaço vazio, já que o Todo é um espaço pleno sem nenhum movimento, já que o Todo está em repouso.”
Como, ao ler isso, não se pode pensar nas postulações da cosmologia contemporânea sobre a matéria e a energia escuras? O próprio Luce faz este tipo de relação ao considerar que: “Na Geometria de Euclides, as linhas retas podem prolongar-se infinitamente. Par Einstein, o espaço é curvo, e o universo é finito, porém limitado. A esfera da realidade de Parmênides parece mais einsteiniana que euclidiana. A comparação é sua maneira de enfatizar a perfeição da realidade, pois a esfera é a figura perfeita cuja superfície é uma e contínua em todas as direções.” Como, aqui, não retomar também a concepção hermética de Deus como uma esfera cujo centro está em tudo e cuja circunferência não está em lugar nenhum?
O pensamento de Parmênides, em razão de sua abstração, faz com que o objeto filosófico migre do mundo material natural, da physis, para o mundo da essência, das propriedades ao ser, da metafísica contrapondo-se, assim, às propostas anteriores dos milésios.
domingo, 23 de agosto de 2009
Algumas considerações de Nietzsche
Considerações de Nietzsche a respeito do pensamento de Parmênides
Em seu ‘A Filosofia na Época Trágica dos Gregos’, Nietzsche compara as propostas de Heráclito e de Parmênides, afirmando que, enquanto o primeiro exprime-se a partir da verdade apreendida na intuição (daquele tipo que conhece, mas não calcula), o segundo apresenta-se como um profeta da verdade formado pelo frio e penetrante gelo da lógica.
A abstração desenvolvida por Parmênides separa, no entender de Nietzsche, o pensamento pré-socrático numa época anaximândrica e noutra parmenídica. Entretanto, não é possível negar que suas suspeitas em relação á separação entre o mundo que é e o mundo que vem a ser mostram-no como herdeiro das proposições de Anaximandro.
Numa tentativa de ordenamento do mundo, Parmênides comparava as qualidades das coisas e as ordenava em duas classes, positiva e negativa. Para Nietzsche, este tipo de método lógico revela resistência às insinuações dos sentidos e produz uma visão dicotômica do mundo empírico, cindido em duas esferas – uma das qualidades positivas, outra das qualidades negativas. Esta última, a esfera da falta, da ausência, com características passivas e femininas. Em lugar de nomear tais esferas como positiva e negativa, denominava-as de esferas do ‘ser’ e do ‘não-ser’, contrariando, assim, Anaximandro ao postular que o mundo tema algo de ‘ser’ e também de ‘não-ser’.
Esta postulação última dá a Parmênides a possibilidade de explicar o vir-a-ser. Segundo Nietzsche, “Parmênides vê, como Heráclito, o vir-a-ser e o não-permanecer universais, mas apenas pode interpretar um perecer de tal maneira que nele o não-ser precise ter uma culpa. Pois como podia o ser ter culpa do perecer! Entretanto, o nascer precisa igualmente realizar-se pelo auxilio do não-ser: pois o ser está sempre presente e não poderia, por si mesmo, nascer nem explicar nenhum nascer. Assim, tanto o nascer como o perecer são produzidos pelas qualidades negativas... “Ao vir-a-ser é necessário tanto o ser quanto o não-ser; se eles agem conjuntamente, então resulta um vir-a-ser”.”
Esses contrários, em lugar de se repelirem, atraem-se em razão de qualitas occulta, denominada por Parmênides com o nome de Afrodite, cujo poder é o de conseguir ligar os contrários, o ‘ser’ e o ‘não-ser’. O conflito interno, após a satisfação do desejo, levará à separação e a então, “a coisa perece”.
Nietzsche assinala que Parmênides percebe seu pecado lógico ao refletir sobre o conceito de qualidade negativa, perguntando-se se algo que não é, pode ser uma qualidade. Aplicando à sua reflexão o raciocínio tautológico A=A, conclui que “O que não é, não é! O que é, é!”. Ele (Parmênides) havia estado em pecado lógico como a maioria das pessoas. Desse raciocínio, Parmênides chega à proposição da Unidade eterna.
Essa idéia de uma unidade eterna, de um ser limitado, imóvel, em equilíbrio, em todos os pontos igualmente perfeito como uma esfera, sustenta uma noção de do vir-a-ser como ilusório. Aquilo que é está num presente eterno, dele não se pode dizer que foi ou que será, pois de onde viria? Do não-ser não pode porque o não-ser não gera nada, de si mesmo seria um replicar-se... Para Nietzsche, Parmênides reconhece aí que antes, ao discutir as qualidades positivas e negativas, estava sendo enganado por seus próprios olhos: “Não siga os olhos estúpidos, não siga o ouvido ruidoso ou a língua, mas examine tudo somente com a força do pensamento.” E, com essa crítica do aparelho do conhecimento, com suas conseqüências funestas, “...separa os sentidos e a capacidade de pensar abstrações, a razão, como se fossem duas faculdades inteiramente distintas, desintegrou o próprio intelecto e animou aquela divisão completamente errônea entre corpo e espírito que, especialmente desde Platão, pés sobre a filosofia como uma maldição” (NIETZSCHE, grifo nosso).Dessa forma, todas as percepções dos sentidos, porque resultam em ilusões apenas, foram postas de lado. Não há o que aprender, portanto, com a investigação dos fenômenos da natureza.
Em seu ‘A Filosofia na Época Trágica dos Gregos’, Nietzsche compara as propostas de Heráclito e de Parmênides, afirmando que, enquanto o primeiro exprime-se a partir da verdade apreendida na intuição (daquele tipo que conhece, mas não calcula), o segundo apresenta-se como um profeta da verdade formado pelo frio e penetrante gelo da lógica.
A abstração desenvolvida por Parmênides separa, no entender de Nietzsche, o pensamento pré-socrático numa época anaximândrica e noutra parmenídica. Entretanto, não é possível negar que suas suspeitas em relação á separação entre o mundo que é e o mundo que vem a ser mostram-no como herdeiro das proposições de Anaximandro.
Numa tentativa de ordenamento do mundo, Parmênides comparava as qualidades das coisas e as ordenava em duas classes, positiva e negativa. Para Nietzsche, este tipo de método lógico revela resistência às insinuações dos sentidos e produz uma visão dicotômica do mundo empírico, cindido em duas esferas – uma das qualidades positivas, outra das qualidades negativas. Esta última, a esfera da falta, da ausência, com características passivas e femininas. Em lugar de nomear tais esferas como positiva e negativa, denominava-as de esferas do ‘ser’ e do ‘não-ser’, contrariando, assim, Anaximandro ao postular que o mundo tema algo de ‘ser’ e também de ‘não-ser’.
Esta postulação última dá a Parmênides a possibilidade de explicar o vir-a-ser. Segundo Nietzsche, “Parmênides vê, como Heráclito, o vir-a-ser e o não-permanecer universais, mas apenas pode interpretar um perecer de tal maneira que nele o não-ser precise ter uma culpa. Pois como podia o ser ter culpa do perecer! Entretanto, o nascer precisa igualmente realizar-se pelo auxilio do não-ser: pois o ser está sempre presente e não poderia, por si mesmo, nascer nem explicar nenhum nascer. Assim, tanto o nascer como o perecer são produzidos pelas qualidades negativas... “Ao vir-a-ser é necessário tanto o ser quanto o não-ser; se eles agem conjuntamente, então resulta um vir-a-ser”.”
Esses contrários, em lugar de se repelirem, atraem-se em razão de qualitas occulta, denominada por Parmênides com o nome de Afrodite, cujo poder é o de conseguir ligar os contrários, o ‘ser’ e o ‘não-ser’. O conflito interno, após a satisfação do desejo, levará à separação e a então, “a coisa perece”.
Nietzsche assinala que Parmênides percebe seu pecado lógico ao refletir sobre o conceito de qualidade negativa, perguntando-se se algo que não é, pode ser uma qualidade. Aplicando à sua reflexão o raciocínio tautológico A=A, conclui que “O que não é, não é! O que é, é!”. Ele (Parmênides) havia estado em pecado lógico como a maioria das pessoas. Desse raciocínio, Parmênides chega à proposição da Unidade eterna.
Essa idéia de uma unidade eterna, de um ser limitado, imóvel, em equilíbrio, em todos os pontos igualmente perfeito como uma esfera, sustenta uma noção de do vir-a-ser como ilusório. Aquilo que é está num presente eterno, dele não se pode dizer que foi ou que será, pois de onde viria? Do não-ser não pode porque o não-ser não gera nada, de si mesmo seria um replicar-se... Para Nietzsche, Parmênides reconhece aí que antes, ao discutir as qualidades positivas e negativas, estava sendo enganado por seus próprios olhos: “Não siga os olhos estúpidos, não siga o ouvido ruidoso ou a língua, mas examine tudo somente com a força do pensamento.” E, com essa crítica do aparelho do conhecimento, com suas conseqüências funestas, “...separa os sentidos e a capacidade de pensar abstrações, a razão, como se fossem duas faculdades inteiramente distintas, desintegrou o próprio intelecto e animou aquela divisão completamente errônea entre corpo e espírito que, especialmente desde Platão, pés sobre a filosofia como uma maldição” (NIETZSCHE, grifo nosso).Dessa forma, todas as percepções dos sentidos, porque resultam em ilusões apenas, foram postas de lado. Não há o que aprender, portanto, com a investigação dos fenômenos da natureza.
sábado, 22 de agosto de 2009
ZENÃO de ELÉIA
Filósofo e político, cuja maturidade se deu entre 464 e 461 a. C, Zenão foi discípulo de Parmênides e desenvolveu atividade filosófica baseada na defesa dos preceitos eleatas, principalmente contra os pitagóricos. Aristóteles tratava-o como o fundador da dialética em razão de ter desenvolvido a técnica argumentativa da ‘reductio ad absurdum’, técnica que consiste em destruir a proposta do adversário quando se mostra que ela, uma vez admitida, pode levar ao absurdo, ao contraditório e ao irracional.
Zenão desenvolveu um conjunto de argumentos contra a possibilidade da multiplicidade e do movimento. “Nos argumentos desenvolvidos contra a possibilidade do movimento, Zenão levou em conta os entendimentos contrários do tempo e do espaço, defendidos na antiguidade, entre os pensadores gregos. O primeiro, o de que o movimento é contínuo, porque o espaço e o tempo são infinitamente divisíveis; o segundo, o de que o movimento é descontínuo, constituído por uma sucessão de passos, porque o tempo e o espaço são composto de unidades indivisíveis. Se o espaço é infinitamente divisível, o que se move levará um tempo infinito pra percorrer o numero infinito de partes intermediárias conseqüentes dessa divisão. Se o espaço, ao contrário, não é infinitamente divisível, cessa a divisão na unidade indivisível.”(SANTOS, 2001, 74).
Em termos concretos, o primeiro argumento pode ser exemplificado pela situação de um atleta que, partindo da extremidade de um campo para alcançar a outra, teria que atingir a metade do percurso, e em seguida a metade da metade e, assim, sucessivamente ao infinito e acabaria não alcançando a outra extremidade. Isso assim se dá porque o espaço está sendo pensado em termos de um número infinito de pontos. O outro argumento é famoso em função da conhecida história de “Aquiles e a tartaruga”. De acordo com a argumentação de Zenão, construída como forma de reduzir o argumetno contrário ao absurdo, Aquiles jamais alcançará a tartaruga porque esta está um ponto à sua frente e ele precisa alcançar esse ponto e, neste momento, ela já terá se deslocado.
O terceiro exemplo argumenta em favor da ilusão do movimento. Denominado o exemplo da ‘Flecha disparada’, o argumento sustenta que a cada instante do tempo a flecha está em repouso porque ocupa um espaço idêntico ao de si mesma. Então o movimento é aparente porque há uma sucessão de espaços ocupados pela flecha. O quarto argumento, considerado o mais complexo, necessita que se tome o tempo e o espaço como compostos de unidades indivisíveis. A situação envolve um corpo AAAA em repouso e dois corpos, BBBB e CCCC, com mesma velocidade, mas com sentidos opostos. Ultrapassar dois AAAA significa ultrapassar os quatro CCCC, ou seja, a totalidade de CCCC corresponde à metade de AAAA. Ao se transformar unidades espaciais em unidades temporais, tem-se que a metade do tempo é igual ao seu dobro.
Conforme nos lembra Santos (2001), os argumentos de Zenão são puramente conceituais, teóricos, são de natureza formal, porque trabalha com a idéia de que o mundo fenomenológico é ilusório e, portanto, inapropriado pra discussões sobre a essência do ser.
Segundo Russel (2002), os argumentos de Zenão são um ataque claro à idéia pitagórica da unidade e posicionam-se, também, contra a possibilidade do vazio e do movimento. Sua discussão acerca da magnitude da unidade tornou-o o grande pai do calculo infinitesimal. “Aquilo que, seja lá o que for, argumentaria Zenão, deve ter alguma magnitude. Se não tivesse magnitude alguma, não existiria. Admitindo-se que isto seja verdade, o mesmo pode ser dito de cada parte, que também deve ter alguma magnitude... Assim, se as coisas são muitas, precisarão ser pequenas e grandes ao mesmo tempo.” (RUSSEL, 2002, 54), Seu argumento acaba demonstrando que é impossível conciliar a teoria pitagórica das unidades com a idéia da divisibilidade infinita.
Em relação à questão do vazio, Zenão discute que se o espaço existe, ele deve estar contido em algo, que, por sua vez, está contido em mais espaço, indefinidamente. Assim, Zenão conclui pela não-existÊncia de que o espaço é um recipiente vazio. Para ele, não se pode distinguir entre um corpo e o espaço no qual ele está. De acordo com Abbagnano (1976, 51), “a intenção destes sutis argumentos... é bastante clara. O espaço e o tempo são a condição da pluralidade e da mudança das coisas: pelo que, se eles se revelam contraditórios, revelam que a multiplicidade e a mudança são contraditórios e por isso irreais.” Ficam, desse modo, fora das postulações sobre o ser desenvolvidas pelos eleatas.
Zenão desenvolveu um conjunto de argumentos contra a possibilidade da multiplicidade e do movimento. “Nos argumentos desenvolvidos contra a possibilidade do movimento, Zenão levou em conta os entendimentos contrários do tempo e do espaço, defendidos na antiguidade, entre os pensadores gregos. O primeiro, o de que o movimento é contínuo, porque o espaço e o tempo são infinitamente divisíveis; o segundo, o de que o movimento é descontínuo, constituído por uma sucessão de passos, porque o tempo e o espaço são composto de unidades indivisíveis. Se o espaço é infinitamente divisível, o que se move levará um tempo infinito pra percorrer o numero infinito de partes intermediárias conseqüentes dessa divisão. Se o espaço, ao contrário, não é infinitamente divisível, cessa a divisão na unidade indivisível.”(SANTOS, 2001, 74).
Em termos concretos, o primeiro argumento pode ser exemplificado pela situação de um atleta que, partindo da extremidade de um campo para alcançar a outra, teria que atingir a metade do percurso, e em seguida a metade da metade e, assim, sucessivamente ao infinito e acabaria não alcançando a outra extremidade. Isso assim se dá porque o espaço está sendo pensado em termos de um número infinito de pontos. O outro argumento é famoso em função da conhecida história de “Aquiles e a tartaruga”. De acordo com a argumentação de Zenão, construída como forma de reduzir o argumetno contrário ao absurdo, Aquiles jamais alcançará a tartaruga porque esta está um ponto à sua frente e ele precisa alcançar esse ponto e, neste momento, ela já terá se deslocado.
O terceiro exemplo argumenta em favor da ilusão do movimento. Denominado o exemplo da ‘Flecha disparada’, o argumento sustenta que a cada instante do tempo a flecha está em repouso porque ocupa um espaço idêntico ao de si mesma. Então o movimento é aparente porque há uma sucessão de espaços ocupados pela flecha. O quarto argumento, considerado o mais complexo, necessita que se tome o tempo e o espaço como compostos de unidades indivisíveis. A situação envolve um corpo AAAA em repouso e dois corpos, BBBB e CCCC, com mesma velocidade, mas com sentidos opostos. Ultrapassar dois AAAA significa ultrapassar os quatro CCCC, ou seja, a totalidade de CCCC corresponde à metade de AAAA. Ao se transformar unidades espaciais em unidades temporais, tem-se que a metade do tempo é igual ao seu dobro.
Conforme nos lembra Santos (2001), os argumentos de Zenão são puramente conceituais, teóricos, são de natureza formal, porque trabalha com a idéia de que o mundo fenomenológico é ilusório e, portanto, inapropriado pra discussões sobre a essência do ser.
Segundo Russel (2002), os argumentos de Zenão são um ataque claro à idéia pitagórica da unidade e posicionam-se, também, contra a possibilidade do vazio e do movimento. Sua discussão acerca da magnitude da unidade tornou-o o grande pai do calculo infinitesimal. “Aquilo que, seja lá o que for, argumentaria Zenão, deve ter alguma magnitude. Se não tivesse magnitude alguma, não existiria. Admitindo-se que isto seja verdade, o mesmo pode ser dito de cada parte, que também deve ter alguma magnitude... Assim, se as coisas são muitas, precisarão ser pequenas e grandes ao mesmo tempo.” (RUSSEL, 2002, 54), Seu argumento acaba demonstrando que é impossível conciliar a teoria pitagórica das unidades com a idéia da divisibilidade infinita.
Em relação à questão do vazio, Zenão discute que se o espaço existe, ele deve estar contido em algo, que, por sua vez, está contido em mais espaço, indefinidamente. Assim, Zenão conclui pela não-existÊncia de que o espaço é um recipiente vazio. Para ele, não se pode distinguir entre um corpo e o espaço no qual ele está. De acordo com Abbagnano (1976, 51), “a intenção destes sutis argumentos... é bastante clara. O espaço e o tempo são a condição da pluralidade e da mudança das coisas: pelo que, se eles se revelam contraditórios, revelam que a multiplicidade e a mudança são contraditórios e por isso irreais.” Ficam, desse modo, fora das postulações sobre o ser desenvolvidas pelos eleatas.
Na crítica moderna que faz aos pré-socráticos, Hegel (1973) faz algumas considerações interessantes a respeito do pensamento de Zenão. Primeiro mostra que Zenão defendia uma idéia esférica de Deus porque ele é em toda parte igual. Além, disso, não pode ser tratado em termos de finitude ou infinitude, repouso ou movimento. Zenão afirma: “O um, portanto, não está nem em repouso sem se movimenta; pois não se parece nem com o não-ente nem com o múltiplo. Em tudo isto, Deus se comporta assim; pois ele é eterno e um, idêntico a si mesmo e esférico, nem ilimitado nem limitado, nem em repouso nem em movimento.” Partem desta abstração todas as postulações metafísicas acerca da identidade e da unidade de Deus comuns aos principais preceitos religiosos monoteístas com os quais convivemos.
Hegel (1973) também percebe em Zenão um apuro racional que o leva a questionar os sistemas tradicionais de refutação filosófica. Zenão mostra que um sistema filosófico quando quer refutar outro, coloca-se aquele como fundamento e a partir dele debate-se o oponente. A crítica, então, não é feita partindo-se do sistema filosófico que se quer refutar, tomando-o em si mesmo, mas a partir daquele que se quer comprovar como certo. “O outro sistema não possui verdade porque não concorda com o meu.” Infelizmente, quando olhamos os debates acadêmicos sob este ângulo percebemos a atualidade do ponto de vista de Zenão. O outro é/está errado porque é diferente. As guerras, os muros, os ataques terroristas comprovam-no.
Hegel (1973) também percebe em Zenão um apuro racional que o leva a questionar os sistemas tradicionais de refutação filosófica. Zenão mostra que um sistema filosófico quando quer refutar outro, coloca-se aquele como fundamento e a partir dele debate-se o oponente. A crítica, então, não é feita partindo-se do sistema filosófico que se quer refutar, tomando-o em si mesmo, mas a partir daquele que se quer comprovar como certo. “O outro sistema não possui verdade porque não concorda com o meu.” Infelizmente, quando olhamos os debates acadêmicos sob este ângulo percebemos a atualidade do ponto de vista de Zenão. O outro é/está errado porque é diferente. As guerras, os muros, os ataques terroristas comprovam-no.
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
MELISSO DE SAMOS
Conviveu com Parmênides, tornando-se seu discípulo. Foi almirante e combateu os atenienses liderados por Péricles. Embora tenha seguido o eleatismo, imprimiu-lhe uma mudança substancial ao conceber o Ser-Uno como infinito no tempo e no espaço, em oposição à proposta parmenídica de sua finitude: “Se fosse um só, seria limitado por alguma outra coisa” (Melisso, Frg. 5). E noutro fragmento:
“Não tendo sido gerado, é, sempre foi e sempre será, não tem início e não tem fim: é ilimitado. Pois tivesse sido gerado, teria um início (se gerado, deveria ter um início) e um fim (se gerado, deveria chegar a um fim); se, ao contrário,não começou nem chegou a um fim, sempre foi e sempre será, não tem início nem fim. Pois, o que não é o todo, é impossível que seja sempre” (Melisso, Frg. 2).
Enquanto Zenão preocupou-se em defender as teses eleatas através de uma lógica argumentativa, Melisso centrou suas reflexões na dedução coerente dos atributos do Ser apresentados por Parmênides. Por outro lado, coloca em descrédito o conhecimento sensível por não ser a fonte fidedigna da percepção e compreensão do Ser-Uno. Percebe-se que Melisso coloca sob fogo a questão da mudança: “Se o ser mudasse ainda só o equivalente um cabelo em dez mil anos, seria inteiramente destruído na totalidade do tempo” (Melisso, Frg. 7). O conhecimento sensível é, portanto, falso porque nos testemunha, ao mesmo tempo, a realidade das coisas e sua mudança.
Russel (2002, 58) considera que Melisso antecipou a proposta atomista ao argumentar que, se considerada a pluralidade das coisas, cada uma delas deve ser, em si, como o Uno, ou seja, dividiu-se a esfera parmenídica em esfera menores como propuseram os atomistas.
“Não tendo sido gerado, é, sempre foi e sempre será, não tem início e não tem fim: é ilimitado. Pois tivesse sido gerado, teria um início (se gerado, deveria ter um início) e um fim (se gerado, deveria chegar a um fim); se, ao contrário,não começou nem chegou a um fim, sempre foi e sempre será, não tem início nem fim. Pois, o que não é o todo, é impossível que seja sempre” (Melisso, Frg. 2).
Enquanto Zenão preocupou-se em defender as teses eleatas através de uma lógica argumentativa, Melisso centrou suas reflexões na dedução coerente dos atributos do Ser apresentados por Parmênides. Por outro lado, coloca em descrédito o conhecimento sensível por não ser a fonte fidedigna da percepção e compreensão do Ser-Uno. Percebe-se que Melisso coloca sob fogo a questão da mudança: “Se o ser mudasse ainda só o equivalente um cabelo em dez mil anos, seria inteiramente destruído na totalidade do tempo” (Melisso, Frg. 7). O conhecimento sensível é, portanto, falso porque nos testemunha, ao mesmo tempo, a realidade das coisas e sua mudança.
Russel (2002, 58) considera que Melisso antecipou a proposta atomista ao argumentar que, se considerada a pluralidade das coisas, cada uma delas deve ser, em si, como o Uno, ou seja, dividiu-se a esfera parmenídica em esfera menores como propuseram os atomistas.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
HERÁCLITO de ÉFESO
Heráclito viveu na transição entre os séc VI e V aC. Filho de nobres e herdeiro do trono renuncia ao poder em favor do irmão mais novo, abandona a casa paterna e vai viver nas montanhas. Torna-se um misantropo mal quisto por toda a população da ilha a quem ele declaradamente desprezava. Suas críticas ácidas recaem não somente sobre seus concidadãos, mas também sobre os poetas antigos, os filósofos contemporâneos e sobre a religião.
Recebeu a alcunha de ‘o obscuro’ em razão do estilo denso e cheio de aforismo com que escreveu seu livro em prosa denominado Da Natureza. Na obra, toma como foco de discussão temas bastante polêmicos dando-lhes soluções audaciosas. Seu principal objetivo é dar uma resposta ao problema da unidade permanente exigida pela razão frente à pluralidade, mutabilidade e efemeridade das coisas observadas pelos sentidos. Sobre isso Santos (2001, 87) afirma que
“Heráclito, ao estabelecer seu projeto filosófico, parte da observação de que a realidade manifesta-se como um fluxo perpétuo de todas as coisas que a constituem. Nada permanece estável, imóvel, mas tudo muda, tudo se transforma sem cessar e nada escapa a esse fluir perene e universal. Ainda que algo, aparentemente, iludindo nossos sentidos possa nos levar a uma opinião contrária, na verdade, por trás dessa aparência estável, tudo, sem exceção, participa do continuo e inexorável processo de mudança inestancável e universal . A única coisa que permanece inalterável é a própria mudança, o movimento, A realidade é, portanto, essencialmente processo.”
Como não fazer relação dessa visão com a proposta do eterno movimento presente no texto taoísta do I Ching?
O rio (“Não se pode banhar duas vezes no mesmo rio”) – sua metáfora mais conhecida - é emblemática de seu pensamento, dado que só aparentemente o rio e o homem que nele se banhou são sempre os mesmos. Santos (2001, 87-88) ainda completa:
“Não há no desenrolar do viver a possibilidade de fazer duas experiências idênticas. Haverá sempre um acréscimo, uma espécie de acúmulo, de enriquecimento que o torna mais seguro ou descrente e temeroso em relação ao que se experimenta. Todas as coisas, indistintamente, portanto, são e não são ao mesmo tempo.”
Novamente, está-se a ouvir coisas semelhantes àquelas propostas no oriente.
Para tornar o processo ininterrupto, aquilo que é precisa deixar de ser e tornar-se outra coisa. Assim, Heráclito não nega a unidade, mas também aceita como verdadeiras a multiplicidade e a mudança. O rio é a imagem dessa contradição, é unidade e mudança ao mesmo tempo. O rio é a imagem do vir-a-ser, o devir, o processo – essência da natureza. Para ser rio precisa continuamente deixar de ser o rio que é naquele momento. Se lhe interrompem o movimento, deixa de ser rio. “As coisas só existem realmente no e pelo vir-a-ser perpétuo. Esse vir-a-ser (processo, fluir, devir) é a passagem continua das coisas de um contrário ao outro” (Santos, 2001, 88). A existência está, então, na síntese harmônica dos contrários. Daí o conflito ser também algo natural, o caminho inevitável na construção da harmonia. Harmonia construída e mantida na tensão. “A guerra é o elemento natural do jogo, senhores, jamais me revelarei” – alguém cantou por aí. Na fonte, ou seja, nas palavras de Heráclito é assim: “A guerra é o pai de todas as coisas e de todas o rei; de uns fez deuses, de outros, homens; de uns, escravos, de outros, homens livres” (Heráclito, Frg. 126).
Além de relações com o taoísmo, percebo relações com outras correntes místicas, metafísicas, ou qualquer coisa que parecida... pois não vou entrar no mérito desta questão. O hermetismo e a imagem arquetípica do oroboros se fazem presente nos fragmentos a seguir: “O caminho para baixo e o caminho para cima são um e o mesmo” (Heráclito, Frg. 60) e “Na circunferência, o princípio e o fim se confundem” (Heráclito, Frg. 103).
Para Heráclito, o Logos, representado empiricamente pelo fogo, é o princípio existencial, uma unidade múltipla, de guerra e paz, luta e harmonia, contradição e síntese. O fogo, em razão de sua natureza, representa bem o princípio que se muda em todas as coisas. A totalidade e multiplicidade da realidade são manifestações da das transformações do fogo. Na sua chama, dá-se a harmonização dos contrários, na sua ação dão-se a morte/destruição e a manutenção da vida. No seu fluir, no seu devir, as coisas vêm à existência ou abandonam-na.
Segundo Santos (2001, 92),
“Na sua doutrina, Heráclito afirma, de forma oracular, que o Logos é aquilo segundo o qual tudo acontece; é o pensamento que tudo dirige e, através de tudo, tudo governa. O Logos é a Razão Universal, o Uno, O Principio imprincipiado e incondicionado que tem o poder de unificar tudo, de relacionar e ligar todas as coisas umas às outras. Essa presença do Logos faz com que o devir (vir-a-ser) não aconteça de forma desordenada, confusa e ao acaso. O devir é conduzido, regulado e orientado segundo essa Lei eterna (logos), Razão Universal.”
Estamos em relação constante com essa Lei que tudo governa e a busca da sabedoria faz com que não nos desviemos dela, que nos mantenhamos despertos e em conformidade com o devir natural de tudo, com o caminho do Uno.
Enquanto para Tales, Anaximandro e Anaxímenes, a transformação do principio originário se dá pela diferenciação, para Heráclito, a unidade é multiplicidade e esta se resolve na unidade. Essa síntese se dá no interior da Physis através do fogo. A ação do Logos mantém sob medida a ação do fogo, produzindo cosmo e não caos, num equilíbrio natural e racional. Para melhor compreender esse Logos, eis algumas palavras de Heráclito:
“Este Logos, os homens, antes ou depois de o haverem ouvido, jamais o compreendem. Ainda que tudo aconteça conforme o Logos, parece não terem experiência experimentando-se em tais palavras e obras, com eu as exponho, distinguindo e explicando a natureza de cada coisa. Os outros homens ignoram o que fazem em estado de vigília, assim como esquecem o que fazem durante o sono.” (Heráclito, Frg. 1).
“A sabedoria consiste numa só coisa, em conhecer, com juízo verdadeiro, como todas as coisas são governadas através de tudo” (Heráclito, Frg. 4).
“O bem pensar é a mais alta virtude; e a sabedoria consiste em dizer a verdade e em agir conforme a natureza, ouvindo sua voz.” (Heráclito, Frg. 112).
Sobre a alma, diz Heráclito que é constituída de fogo, embora tenha se originado na água e que a melhor alma, a mais sábia, é a seca porque tem a natureza do fogo/Logos, torna-se fonte do conhecimento verdadeiro. Se se transforma em água ou terra, ou seja, se fica presa a sentimentos e emoções, morre: “Para as almas a morte é transformarem-se em água, a morte é transformar-se em terra; a água gera-se da terra e da água alma” (Heráclito, Frg. 36) e “Uma alma seca é mais sábia e melhor” (Heráclito, Frg. 118).
O verdadeiro conhecimento está em ouvir a voz da Physis, está em aprofundar-se no conhecimento de todas as coisas e no autoconhecimento. Esta é a única forma de conhecer a profundidade e a grandeza do Logos que habita cada um de nós. Sobre isso, o fragmento a seguir é de rara beleza: “Mesmo percorrendo todos os caminhos, jamais encontrarás os limites da alma, tão profundo é o seu Logos” (Heráclito, Frg. 45).
Recebeu a alcunha de ‘o obscuro’ em razão do estilo denso e cheio de aforismo com que escreveu seu livro em prosa denominado Da Natureza. Na obra, toma como foco de discussão temas bastante polêmicos dando-lhes soluções audaciosas. Seu principal objetivo é dar uma resposta ao problema da unidade permanente exigida pela razão frente à pluralidade, mutabilidade e efemeridade das coisas observadas pelos sentidos. Sobre isso Santos (2001, 87) afirma que
“Heráclito, ao estabelecer seu projeto filosófico, parte da observação de que a realidade manifesta-se como um fluxo perpétuo de todas as coisas que a constituem. Nada permanece estável, imóvel, mas tudo muda, tudo se transforma sem cessar e nada escapa a esse fluir perene e universal. Ainda que algo, aparentemente, iludindo nossos sentidos possa nos levar a uma opinião contrária, na verdade, por trás dessa aparência estável, tudo, sem exceção, participa do continuo e inexorável processo de mudança inestancável e universal . A única coisa que permanece inalterável é a própria mudança, o movimento, A realidade é, portanto, essencialmente processo.”
Como não fazer relação dessa visão com a proposta do eterno movimento presente no texto taoísta do I Ching?
O rio (“Não se pode banhar duas vezes no mesmo rio”) – sua metáfora mais conhecida - é emblemática de seu pensamento, dado que só aparentemente o rio e o homem que nele se banhou são sempre os mesmos. Santos (2001, 87-88) ainda completa:
“Não há no desenrolar do viver a possibilidade de fazer duas experiências idênticas. Haverá sempre um acréscimo, uma espécie de acúmulo, de enriquecimento que o torna mais seguro ou descrente e temeroso em relação ao que se experimenta. Todas as coisas, indistintamente, portanto, são e não são ao mesmo tempo.”
Novamente, está-se a ouvir coisas semelhantes àquelas propostas no oriente.
Para tornar o processo ininterrupto, aquilo que é precisa deixar de ser e tornar-se outra coisa. Assim, Heráclito não nega a unidade, mas também aceita como verdadeiras a multiplicidade e a mudança. O rio é a imagem dessa contradição, é unidade e mudança ao mesmo tempo. O rio é a imagem do vir-a-ser, o devir, o processo – essência da natureza. Para ser rio precisa continuamente deixar de ser o rio que é naquele momento. Se lhe interrompem o movimento, deixa de ser rio. “As coisas só existem realmente no e pelo vir-a-ser perpétuo. Esse vir-a-ser (processo, fluir, devir) é a passagem continua das coisas de um contrário ao outro” (Santos, 2001, 88). A existência está, então, na síntese harmônica dos contrários. Daí o conflito ser também algo natural, o caminho inevitável na construção da harmonia. Harmonia construída e mantida na tensão. “A guerra é o elemento natural do jogo, senhores, jamais me revelarei” – alguém cantou por aí. Na fonte, ou seja, nas palavras de Heráclito é assim: “A guerra é o pai de todas as coisas e de todas o rei; de uns fez deuses, de outros, homens; de uns, escravos, de outros, homens livres” (Heráclito, Frg. 126).
Além de relações com o taoísmo, percebo relações com outras correntes místicas, metafísicas, ou qualquer coisa que parecida... pois não vou entrar no mérito desta questão. O hermetismo e a imagem arquetípica do oroboros se fazem presente nos fragmentos a seguir: “O caminho para baixo e o caminho para cima são um e o mesmo” (Heráclito, Frg. 60) e “Na circunferência, o princípio e o fim se confundem” (Heráclito, Frg. 103).
Para Heráclito, o Logos, representado empiricamente pelo fogo, é o princípio existencial, uma unidade múltipla, de guerra e paz, luta e harmonia, contradição e síntese. O fogo, em razão de sua natureza, representa bem o princípio que se muda em todas as coisas. A totalidade e multiplicidade da realidade são manifestações da das transformações do fogo. Na sua chama, dá-se a harmonização dos contrários, na sua ação dão-se a morte/destruição e a manutenção da vida. No seu fluir, no seu devir, as coisas vêm à existência ou abandonam-na.
Segundo Santos (2001, 92),
“Na sua doutrina, Heráclito afirma, de forma oracular, que o Logos é aquilo segundo o qual tudo acontece; é o pensamento que tudo dirige e, através de tudo, tudo governa. O Logos é a Razão Universal, o Uno, O Principio imprincipiado e incondicionado que tem o poder de unificar tudo, de relacionar e ligar todas as coisas umas às outras. Essa presença do Logos faz com que o devir (vir-a-ser) não aconteça de forma desordenada, confusa e ao acaso. O devir é conduzido, regulado e orientado segundo essa Lei eterna (logos), Razão Universal.”
Estamos em relação constante com essa Lei que tudo governa e a busca da sabedoria faz com que não nos desviemos dela, que nos mantenhamos despertos e em conformidade com o devir natural de tudo, com o caminho do Uno.
Enquanto para Tales, Anaximandro e Anaxímenes, a transformação do principio originário se dá pela diferenciação, para Heráclito, a unidade é multiplicidade e esta se resolve na unidade. Essa síntese se dá no interior da Physis através do fogo. A ação do Logos mantém sob medida a ação do fogo, produzindo cosmo e não caos, num equilíbrio natural e racional. Para melhor compreender esse Logos, eis algumas palavras de Heráclito:
“Este Logos, os homens, antes ou depois de o haverem ouvido, jamais o compreendem. Ainda que tudo aconteça conforme o Logos, parece não terem experiência experimentando-se em tais palavras e obras, com eu as exponho, distinguindo e explicando a natureza de cada coisa. Os outros homens ignoram o que fazem em estado de vigília, assim como esquecem o que fazem durante o sono.” (Heráclito, Frg. 1).
“A sabedoria consiste numa só coisa, em conhecer, com juízo verdadeiro, como todas as coisas são governadas através de tudo” (Heráclito, Frg. 4).
“O bem pensar é a mais alta virtude; e a sabedoria consiste em dizer a verdade e em agir conforme a natureza, ouvindo sua voz.” (Heráclito, Frg. 112).
Sobre a alma, diz Heráclito que é constituída de fogo, embora tenha se originado na água e que a melhor alma, a mais sábia, é a seca porque tem a natureza do fogo/Logos, torna-se fonte do conhecimento verdadeiro. Se se transforma em água ou terra, ou seja, se fica presa a sentimentos e emoções, morre: “Para as almas a morte é transformarem-se em água, a morte é transformar-se em terra; a água gera-se da terra e da água alma” (Heráclito, Frg. 36) e “Uma alma seca é mais sábia e melhor” (Heráclito, Frg. 118).
O verdadeiro conhecimento está em ouvir a voz da Physis, está em aprofundar-se no conhecimento de todas as coisas e no autoconhecimento. Esta é a única forma de conhecer a profundidade e a grandeza do Logos que habita cada um de nós. Sobre isso, o fragmento a seguir é de rara beleza: “Mesmo percorrendo todos os caminhos, jamais encontrarás os limites da alma, tão profundo é o seu Logos” (Heráclito, Frg. 45).
Russel (2002) mostra que Heráclito na verdade bebeu das fontes dos jônios e de Pitágoras, entretanto deu-lhes nova roupagem. De Anaximandro reteve a volta ao ilimitado na busca da de perfeição e de Pitágoras a noção de harmonia. Quanto à questão do conhecimento, Russel lembra que uma das máximas de Heráclito era de que “O aprendizado de muitas coisas não ensina a compreensão”. A sabedoria está em captar a fórmula subjacente/logos que é comum a todas as coisas, mas a cegueira é tamanha que cada um se julga dono de uma sabedoria particular, própria. A multidão deve ser desprezada em razão dessa cegueira e não se deve tomar essa fórmula comum como a opinião pública, pois, como já dito, a multidão é um agrupamento de gralhas cegas.
Hegel (1973) tem particular admiração por Heráclito por este ter tomado o processo como a natureza principal de tudo. A proposição de entender as coisas como devir, como processo, torna-o um dos pais da dialética, conceito caríssimo a Hegel. Em suas Preleções sobre a História da Filosofia, discute inicialmente o princípio universal heraclitiano, denominando-o de princípio lógico. Em seguida, trata dos modos de realidade deste princípio. Baseado na doxografia de Sexto Empírico, Hegel mostra que o princípio universal pode ser tomado de um modo abstrato, como tempo, e de um modo concreto, como fogo. Em sua forma abstrata, como processo abstrato, “o tempo é o primeiro que se oferece como o devir, é a primeira forma do devir.” Hegel então desenvolve a noção de tempo, demonstrando como sua natureza qualifica-o a ser tomado como princípio, como devir: “Não como se o tempo fosse e não fosse, mas o tempo é isto: no ser imediatamente não-ser e no não-ser imediatamente ser... No tempo, não é o passado e o futuro, somente o agora; e este é, para não ser, está logo destruído, passado – e este não-ser passa, do mesmo modo, para o ser, pois ele é”.
Para Heráclito, de acordo com Hegel, o fogo é o equivalente físico do tempo, é a forma real do processo, a substância do processo na natureza. O fogo qualifica-se a esta função por ser fluido, elemento de destruição, de criação e de transformação. O fogo nãso permanece.
Outro aspecto interessante abordado por Hegel é a relação da proposta de Heráclito com questões concernentes à consciência. As perguntas que faz são: Como o logos chega à consciência? Qual é sua relação com a alma individual? Posto que é considerado como processo, o ato de tomar consciência do principio universal é algo imediato, mediado e morto, pois ao se configurar em pensamento, em unidade de compreensão, a processualidade desaparece. Por essa razão, dizia Heráclito “Morto é o que vemos em vigília, e o que vemos dormindo é sonho”. A objetividade da consciência delimita, acarreta finitude. Daí, pensar-se que o to de tomada de consciência dever ser recorrente, uma tarefa diária de compreensão das coisas e de si mesmo. Lembrando-se sempre de que, como já dito, o aprendizado de muitas coisas não leva à compreensão.
Abbagnano (1976, 35) discute a interpretação que Hegel dá à doutrina heraclitiana. Segundo Abbagnano, Hegel interpreta erroneamente a doutrina de Heráclito quando pensa que a união dos opostos se resolve numa síntese harmônica e conciliatória. Ao contrário, o estado permanente entre os opostos é a guerra. Isso porque Abbagnano lembra que Heráclito não era um filósofo otimista, mas pessimista e amargo, fato que teria motivado a tradição a chamá-lo de chorão.
De qualquer modo, otimista ou pessimista, fica de Heráclito um alerta àqueles que buscam: “Os que procuram ouro, cavam muita terra e encontram pouco”.
Hegel (1973) tem particular admiração por Heráclito por este ter tomado o processo como a natureza principal de tudo. A proposição de entender as coisas como devir, como processo, torna-o um dos pais da dialética, conceito caríssimo a Hegel. Em suas Preleções sobre a História da Filosofia, discute inicialmente o princípio universal heraclitiano, denominando-o de princípio lógico. Em seguida, trata dos modos de realidade deste princípio. Baseado na doxografia de Sexto Empírico, Hegel mostra que o princípio universal pode ser tomado de um modo abstrato, como tempo, e de um modo concreto, como fogo. Em sua forma abstrata, como processo abstrato, “o tempo é o primeiro que se oferece como o devir, é a primeira forma do devir.” Hegel então desenvolve a noção de tempo, demonstrando como sua natureza qualifica-o a ser tomado como princípio, como devir: “Não como se o tempo fosse e não fosse, mas o tempo é isto: no ser imediatamente não-ser e no não-ser imediatamente ser... No tempo, não é o passado e o futuro, somente o agora; e este é, para não ser, está logo destruído, passado – e este não-ser passa, do mesmo modo, para o ser, pois ele é”.
Para Heráclito, de acordo com Hegel, o fogo é o equivalente físico do tempo, é a forma real do processo, a substância do processo na natureza. O fogo qualifica-se a esta função por ser fluido, elemento de destruição, de criação e de transformação. O fogo nãso permanece.
Outro aspecto interessante abordado por Hegel é a relação da proposta de Heráclito com questões concernentes à consciência. As perguntas que faz são: Como o logos chega à consciência? Qual é sua relação com a alma individual? Posto que é considerado como processo, o ato de tomar consciência do principio universal é algo imediato, mediado e morto, pois ao se configurar em pensamento, em unidade de compreensão, a processualidade desaparece. Por essa razão, dizia Heráclito “Morto é o que vemos em vigília, e o que vemos dormindo é sonho”. A objetividade da consciência delimita, acarreta finitude. Daí, pensar-se que o to de tomada de consciência dever ser recorrente, uma tarefa diária de compreensão das coisas e de si mesmo. Lembrando-se sempre de que, como já dito, o aprendizado de muitas coisas não leva à compreensão.
Abbagnano (1976, 35) discute a interpretação que Hegel dá à doutrina heraclitiana. Segundo Abbagnano, Hegel interpreta erroneamente a doutrina de Heráclito quando pensa que a união dos opostos se resolve numa síntese harmônica e conciliatória. Ao contrário, o estado permanente entre os opostos é a guerra. Isso porque Abbagnano lembra que Heráclito não era um filósofo otimista, mas pessimista e amargo, fato que teria motivado a tradição a chamá-lo de chorão.
De qualquer modo, otimista ou pessimista, fica de Heráclito um alerta àqueles que buscam: “Os que procuram ouro, cavam muita terra e encontram pouco”.
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
EMPÉDOCLES de AGRIGENTO
Figura lendária, tomada como profeta ou imortal (como o próprio a si se referia), Empédocles (492-432) era filho de família aristocrática em Agrigento.
Pensador da antiguidade que inaugura o pluralismo. Num rompimento com a interdição eleata, tenta resolver o problema de Parmênides (tomar como realidade apenas o ser absoluto, uno e imutável e negar a possibilidade do movimento). Empédocles constrói uma visão global da vida e do somo. Deixou dois textos: “Sobre a Natureza” – tratado de cosmologia – e “Purificações”, cujo conteúdo versava sobre a natureza da alma e a salvação pessoal.
Sua formação comunga, inicialmente, com os postulados eleatas, mas Empédocles consegue superar a proibição de pensar o movimento, ao propor que alguma coisa pode, em lugar de se originar do nada, surgir de outra coisa já existente. E o que desaparece, na verdade, consiste no transformar-se em outra coisa (exceto o nada). O filósofo, ainda, revaloriza e reintegra na sua reflexão a contribuição dos sentidos.
Numa visão bastante atual, Empédocles consegue afirmar o postulado científico contemporâneo da matéria como energia condensada. Nas palavras de Santos (2001, 97): “Na realidade, por trás das aparências, o que ocorre verdadeiramente é a agregação de elementos, a qual dão o nome de nascimento e separação de elementos, a qual chamam de morte ou destruição. Esses elementos que se agregam ou se separam, dando origem à multiplicidade de coisas, a água, o ar, o fogo e a terra, têm os mesmos atributos do ser de Parmênides: são incriados, imutáveis, irredutíveis e imperecíveis”. Em lugar de um único ser original, vários. A origem é plural. Os elementos originários, todos iguais em importância, são as “raízes de todas as coisas”. Essas raízes são, na verdade, os quatro elementos (terra, água, fogo e ar) que, por agregação, formam os seres e pela desagregação levam-nos à morte. Nessa desagregação, os elementos voltam a ser aquilo que sempre foram, voltam ao seu estado puro.
Os processos de agregação e desagregação pressupõem o movimento. O que leva os quatro elementos a se agregarem ou se desagregarem são duas forças cósmicas: atração e repulsão (link com Kepler e a moderna cosmologia): o amor e o ódio são realidades naturais. “O mundo perece segundo a predominância alternada do Ódio e do Amor” (Aécio, II, 4, 8, GB p83).Por essa razão, há predominância e não há surgimento ou destruição absolutos.
Na tentativa de explicar o universo, Empédocles afirma que o momento inicial não foi marcado nem pela primazia do Amor (caso em que os elementos estariam de tal modo unidos nem esfera única, indiferenciada e homogênea que não se poderia distinguir elemento algum), nem pelo predomínio do Ódio (situação inversa, na qual, os elementos estariam tão separados, tão individualizados que não seria possível a formação de nada). Para o filosofo, o momento da criação dá-se, na verdade, na passagem de uma fase à outra, momento em que tais forças estariam agindo de forma conjugada.
Nesse processo há um movimento de contração e distensão semelhante ao da respiração. Na esfera inicial, os elementos estavam juntos, unidos pela força do Amor, mas a discórdia se aproxima, deslocando-se da superfície da esfera para o centro, provocando a separação. Em um estágio seguinte, o ciclo se repete inversamente e tem-se, de novo, a união dos elementos.
Além de se voltar para as questões da criação, Empédocles preocupou-se com a natural dificuldade humana de compreender a realidade. Em suas reflexões, desenvolveu uma teoria da percepção na qual defende que das coisas emanam eflúvios que são percebidos pelos sentidos humanos. A percepção se dá porque o semelhante atrai o semelhante, isto é, partes semelhantes emanadas pelas coisas são atraídas por partes semelhantes dos órgãos dos sentidos. São palavras suas: “E o conhecimento do igual se faz pelo igual” (Aristóteles, Metafísica, III, 4, 1000b). Segundo Santos (2001, 102), “Essa teoria psicofísica da percepção, ainda que em forma de crisálida, é precursora da teoria da representação subjetiva e nos permite concluir que Empédocles, de alguma maneira, confia nos sentidos para a aquisição do conhecimento”. Ainda para Empédocles, não só homem, mas todos os seres, animais e vegetais, são dotados de pensamento. E a maior concentração de pensamento é encontrada no sangue: “Por isso pensamos com o sangue. Pois neste estão os elementos melhor misturados”. Suas especulações sobre a alma aproximam-se muito dos ensinamentos órficos-pitagóricos. A alma expia, em encarnações sucessivas, uma falta anterior. Libertada da roda de nascimentos, ela volta ao Olimpo, para a bem-aventurança: “Há um oráculo da Necessidade, decreto dos Deuses, antigo, eterno, selado com largos juramentos: se alguém manchou criminosamente suas mãos com sangue, ou, em conseqüência do Ódio, cometeu perjúrio, e – um destes demônios agraciados com longa vida, – deve errar três vezes dez mil anos, longe dos bem-aventurados, e nascer no curso do tempo sob todas as formas mortais, trocando um pesado caminho d vida por outro. Pois o ar poderoso empurra-os ao mar, o mar os cospe sobre a terra, a terra os projeta aos raios do incansável sol, e este os lança nos turbilhões do ar. Um os recebe de outro, mas todos os odeiam. A estes também, agora, pertenço eu, um banidos dos deuses, errante, por ter confiado no furioso Ódio.” (Empédocles, Frag, 115; GB p.79)
Hegel (1973) resenha as críticas feitas a Empédocles por Aristóteles. Em sua Metafísica, Aristóteles argumenta que falta a Empédocles a proposição de um principio ainda mais profundo que o Amor e o Ódio, o fim. Ele se caracteriza por ser um conceito, fixo em si e para si, autodeterminante, verdadeiro e absoluto, através do qual tudo é. Dessa forma, Aristóteles coloca-se também contra Heráclito sua defesa da eterna mudança. Hegel (1973) mostra ainda que Aristóteles argumenta contra a premissa da união e separação em Empédocles, posto que “O separado, o que se imobilizou num lado, é ele mesmo algo unido em si – é a sua autonomia. A separação dos elementos, que estão unidos no universo, é união entre si das partes de cada elemento” (HEGEL, 1973, p. 195). Pro fim, afiram que a proposta de Empédocles sobre a origem das coisas não é consistente.
Nietzsche também faz algumas considerações sobre as propostas de Empédocles. Ao mesmo tempo em que aponta certas inconsistências, mostra como algumas das afirmações de Empédocles ecoaram pela ciência ocidental através dos séculos, com contribuições para a Física e, até, para a teoria de Darwin. Reconhece Nietzsche que no caso de Empédocles, o pensamento mítico e o pensamento científico andam lado a lado, que o filósofo foi um homem agonal, no qual dois séculos se defrontavam, era, ao mesmo tempo, o homem do mito e o grego moderno, racionalista, criador de analogias e democrata.
Pensador da antiguidade que inaugura o pluralismo. Num rompimento com a interdição eleata, tenta resolver o problema de Parmênides (tomar como realidade apenas o ser absoluto, uno e imutável e negar a possibilidade do movimento). Empédocles constrói uma visão global da vida e do somo. Deixou dois textos: “Sobre a Natureza” – tratado de cosmologia – e “Purificações”, cujo conteúdo versava sobre a natureza da alma e a salvação pessoal.
Sua formação comunga, inicialmente, com os postulados eleatas, mas Empédocles consegue superar a proibição de pensar o movimento, ao propor que alguma coisa pode, em lugar de se originar do nada, surgir de outra coisa já existente. E o que desaparece, na verdade, consiste no transformar-se em outra coisa (exceto o nada). O filósofo, ainda, revaloriza e reintegra na sua reflexão a contribuição dos sentidos.
Numa visão bastante atual, Empédocles consegue afirmar o postulado científico contemporâneo da matéria como energia condensada. Nas palavras de Santos (2001, 97): “Na realidade, por trás das aparências, o que ocorre verdadeiramente é a agregação de elementos, a qual dão o nome de nascimento e separação de elementos, a qual chamam de morte ou destruição. Esses elementos que se agregam ou se separam, dando origem à multiplicidade de coisas, a água, o ar, o fogo e a terra, têm os mesmos atributos do ser de Parmênides: são incriados, imutáveis, irredutíveis e imperecíveis”. Em lugar de um único ser original, vários. A origem é plural. Os elementos originários, todos iguais em importância, são as “raízes de todas as coisas”. Essas raízes são, na verdade, os quatro elementos (terra, água, fogo e ar) que, por agregação, formam os seres e pela desagregação levam-nos à morte. Nessa desagregação, os elementos voltam a ser aquilo que sempre foram, voltam ao seu estado puro.
Os processos de agregação e desagregação pressupõem o movimento. O que leva os quatro elementos a se agregarem ou se desagregarem são duas forças cósmicas: atração e repulsão (link com Kepler e a moderna cosmologia): o amor e o ódio são realidades naturais. “O mundo perece segundo a predominância alternada do Ódio e do Amor” (Aécio, II, 4, 8, GB p83).Por essa razão, há predominância e não há surgimento ou destruição absolutos.
Na tentativa de explicar o universo, Empédocles afirma que o momento inicial não foi marcado nem pela primazia do Amor (caso em que os elementos estariam de tal modo unidos nem esfera única, indiferenciada e homogênea que não se poderia distinguir elemento algum), nem pelo predomínio do Ódio (situação inversa, na qual, os elementos estariam tão separados, tão individualizados que não seria possível a formação de nada). Para o filosofo, o momento da criação dá-se, na verdade, na passagem de uma fase à outra, momento em que tais forças estariam agindo de forma conjugada.
Nesse processo há um movimento de contração e distensão semelhante ao da respiração. Na esfera inicial, os elementos estavam juntos, unidos pela força do Amor, mas a discórdia se aproxima, deslocando-se da superfície da esfera para o centro, provocando a separação. Em um estágio seguinte, o ciclo se repete inversamente e tem-se, de novo, a união dos elementos.
Além de se voltar para as questões da criação, Empédocles preocupou-se com a natural dificuldade humana de compreender a realidade. Em suas reflexões, desenvolveu uma teoria da percepção na qual defende que das coisas emanam eflúvios que são percebidos pelos sentidos humanos. A percepção se dá porque o semelhante atrai o semelhante, isto é, partes semelhantes emanadas pelas coisas são atraídas por partes semelhantes dos órgãos dos sentidos. São palavras suas: “E o conhecimento do igual se faz pelo igual” (Aristóteles, Metafísica, III, 4, 1000b). Segundo Santos (2001, 102), “Essa teoria psicofísica da percepção, ainda que em forma de crisálida, é precursora da teoria da representação subjetiva e nos permite concluir que Empédocles, de alguma maneira, confia nos sentidos para a aquisição do conhecimento”. Ainda para Empédocles, não só homem, mas todos os seres, animais e vegetais, são dotados de pensamento. E a maior concentração de pensamento é encontrada no sangue: “Por isso pensamos com o sangue. Pois neste estão os elementos melhor misturados”. Suas especulações sobre a alma aproximam-se muito dos ensinamentos órficos-pitagóricos. A alma expia, em encarnações sucessivas, uma falta anterior. Libertada da roda de nascimentos, ela volta ao Olimpo, para a bem-aventurança: “Há um oráculo da Necessidade, decreto dos Deuses, antigo, eterno, selado com largos juramentos: se alguém manchou criminosamente suas mãos com sangue, ou, em conseqüência do Ódio, cometeu perjúrio, e – um destes demônios agraciados com longa vida, – deve errar três vezes dez mil anos, longe dos bem-aventurados, e nascer no curso do tempo sob todas as formas mortais, trocando um pesado caminho d vida por outro. Pois o ar poderoso empurra-os ao mar, o mar os cospe sobre a terra, a terra os projeta aos raios do incansável sol, e este os lança nos turbilhões do ar. Um os recebe de outro, mas todos os odeiam. A estes também, agora, pertenço eu, um banidos dos deuses, errante, por ter confiado no furioso Ódio.” (Empédocles, Frag, 115; GB p.79)
Hegel (1973) resenha as críticas feitas a Empédocles por Aristóteles. Em sua Metafísica, Aristóteles argumenta que falta a Empédocles a proposição de um principio ainda mais profundo que o Amor e o Ódio, o fim. Ele se caracteriza por ser um conceito, fixo em si e para si, autodeterminante, verdadeiro e absoluto, através do qual tudo é. Dessa forma, Aristóteles coloca-se também contra Heráclito sua defesa da eterna mudança. Hegel (1973) mostra ainda que Aristóteles argumenta contra a premissa da união e separação em Empédocles, posto que “O separado, o que se imobilizou num lado, é ele mesmo algo unido em si – é a sua autonomia. A separação dos elementos, que estão unidos no universo, é união entre si das partes de cada elemento” (HEGEL, 1973, p. 195). Pro fim, afiram que a proposta de Empédocles sobre a origem das coisas não é consistente.
Nietzsche também faz algumas considerações sobre as propostas de Empédocles. Ao mesmo tempo em que aponta certas inconsistências, mostra como algumas das afirmações de Empédocles ecoaram pela ciência ocidental através dos séculos, com contribuições para a Física e, até, para a teoria de Darwin. Reconhece Nietzsche que no caso de Empédocles, o pensamento mítico e o pensamento científico andam lado a lado, que o filósofo foi um homem agonal, no qual dois séculos se defrontavam, era, ao mesmo tempo, o homem do mito e o grego moderno, racionalista, criador de analogias e democrata.
terça-feira, 18 de agosto de 2009
OS ATOMISTAS – Leucipo e Demócrito.
Mestre e discípulo, respectivamente, Leucipo e Demócrito incluíram na teoria atomista o não-ser através do conceito de vazio.
Para a escola atomista, o universo é constituído por átomos e por vazio. Os primeiros, imutáveis, indestrutíveis, compactos, infinitos em espécie e dotados de movimento próprio. As coisas vêm a existir em razão da agregação dessas partículas. Portanto, as coisas não surgem do nada, mas da agregação de partículas. Em trecho da Física de Simplício, encontramos a seguinte afirmação: “...Além disso, ele sustentava que o não-ser existe assim como o ser, e os dois são igualmente as causas de as coisas nascerem. Ele supunha que a natureza dos átomos era compacta e cheia; isso, dizia ele, era ser, e movia-se no vazio, a que ele chamava não-ser e sustentava que existia em não menor grau que o ser” (SIMPLÍCIO, FÍSICA, 28, KR, p.415).
Os átomos, na sua infinidade de números e formas, formam a realidade (realidade = conceito/forma). Entretanto, aquilo que não é (o não-ser, o vazio) também é real, também existe (VAZIO ≠ NADA). A existência do espaço vazio era necessária para que os átomos pudessem nele se mover. Nesse espaço vazio e infinito, os átomos, infinitos em numero e forma, movem-se em todas as direções, chocam-se, agregam-se, produzindo misturas e combinações.
A proposta atomista de Leucipo e Demócrito é, em certa medida, uma resposta e uma continuidade à proposta eleata. Reale (1993, 153) lembra que, na proposta atomista, os átomos aproximam-se da proposta eleata porque são tomados como qualitativamente indiferenciados e geometricamente diferentes, mantendo a igualdade do ser, mesmo que o Uno seja, no atomismo, fragmentado holograficamente em infinitos seres-unos. Leucipo reverte contra o eleatismo um dos argumentos de Melisso – o pluralismo original –, tornando-o base de seu sistema. Pluralismo que não é fruto da experiência dos sentidos, mas fundamento e razão de ser do múltiplo perceptível, um múltiplo anterior.
Santos (2001, p. 117) lembra que “Na ordenação do cosmo ficam descartados aqueles elementos ligados a um principio divino ou que tivessem suas prerrogativas tradicionais de conhecimento, poder e governo de todas s coisas, bem como a abertura para uma possível interpretação finalista ou teleológica”. Alguns filósofos posteriores, dentre eles Platão, mostraram-se resistentes a esta visão natural, dado que não aceitavam que algo não poderia existir sem a ação ou desígnio de uma entidade, um deus, um logos.
Para os atomistas, um átomo se diferencia do outro não pela essência, que é a mesma para todos, mas pela sua forma geométrica, sua ordem e sua posição. Por ser invisível, inacessível aos sentidos, é representado como idéia (forma). Para Demócrito um átomo era uma idéia, uma forma, pois, na Grécia de sua época, o termo idéia era usado para aquilo que se vê, visível à inteligência. Diferente, portanto, da acepção subjetivista e imaterial que Platão, mais tarde, daria ao termo. “Λτομος ιδέα é a primeira afirmação da individualidade, da substancialidade do ser individual, na filosofia grega: nisso está a grandeza de Demócrito” (Reale, 1993, 155-156).
O movimento original surge, na formação do cosmo, em conseqüência da ação do vórtice no movimento rotatório. Esse movimento leva os átomos a chocarem-se entre si, expulsa para a camada mais externa os átomos mais leves e mantém no centro os átomos mais pesados. Assim, no centro, é formada a Terra e, na periferia, os corpos ígneos, os demais astros. Não há, no atomismo de Leucipo e Demócrito, uma causa anterior diferenciada, particular, como o Amor e o Ódio em Empédocles, ou a Inteligência em Anaxágoras, mas o movimento dos átomos é derivado de seu próprio movimento em razão de sua natureza. O movimento é a natureza do átomo.
Há, ainda, na teoria atomista a defesa de que o corpo e a alma são da mesma natureza. “Mesmo que os átomos da alma tenham uma forma mais perfeita, os átomos do corpo e da alma são qualitativamente sempre iguais a todos os outros átomos. Os átomos da alma distinguem-se dos outros apenas por serem mais puros, mais sutis, mais ígneos, muito lisos, mais móveis, mais voláteis e redondos. Esses estão espalhados por todo o corpo, são responsáveis pelo seu movimento, pela vida e pelo pensamento. Em virtude da expiração eles tendem a deixar o corpo, mas são logo reintegrados pela inspiração, assegurando a continuidade do copo vivo. Por isso, a morte coincide com o fim da respiração, com a perda de um número maior desses átomos que, dispersando-se e não havendo a necessária reposição, provoca o desequilíbrio” (SANTOS, 2001, p. 120).
A proposta atomista para a percepção explica que dos corpos emanam eflúvios dos átomos que os constituem e estes, ao atravessarem os poros dos sentidos, produzem a sensação e o conhecimento. Mais surpreendente é que os atomistas defendem que, em razão de mantermos contato apenas com a aparência das coisas, formamos opiniões que podem estar erradas, pois a percepção das qualidades das coisas não é algo objetivo, mas apenas uma convenção entre indivíduos (“Que o mel é doce não ouso afirmar, mas que parece doce eu afirmo”). Há uma clara antecipação das propostas da Gestalt."Opinão (é) o doce, opinião o amargo, opinião o quente, opinião o frio, opinião a cor; verdade, os átomos e o vazio" Demócrito.
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