Na semana passada, escrevi sobre a impossibilidade de chegarmos a uma "teoria final", isto é, a uma descrição científica completa da Natureza. Falei de como nosso conhecimento do mundo depende daquilo que podemos medir e de como nossos instrumentos, mesmo que sempre mais precisos, terão sempre os seus limites. Esse tema, e o da coluna de hoje e a do próximo domingo, são elaborados em detalhe no livro que lanço no próximo dia 12. Seu título sugere já minha posição: "Criação Imperfeita: Cosmos, Vida e o Código Oculto da Natureza".
Ao escolher o adjetivo "imperfeita" para categorizar a Criação -subentendida aqui como o conjunto do que existe no Universo- me distancio da expectativa dos que defendem uma teoria final, ou mesmo uma teoria unificada das forças entre os componentes da matéria, que pressupõe tanto uma ordem matemática que descreve o mundo em que vivemos quanto uma ciência capaz de descrevê-la.Uma teoria única que descreve o mundo, refletindo uma unidade por trás de todas as coisas, expressa o que podemos chamar de monoteísmo racional: suas origens nos remetem aos filósofos da Grécia Antiga e foram implantadas na ciência durante a Renascença através da obra de gigantes como Copérnico, Kepler e Newton.
Hoje, cientistas frequentemente referem-se à "mente de Deus", mesmo que metaforicamente, para descrever sua crença numa ordem racional por trás de todas as coisas, baseada em simetrias matemáticas. Mas será isso o que a Natureza está nos dizendo? Será que temos evidência de que a Natureza seja mesmo simétrica, de que existe uma ordem fundamental por trás da incrível diversidade que vemos no mundo?Ao falarmos sobre ciência temos de nos lembrar de como ela funciona. As ciências naturais dependem fundamentalmente do confronto entre teoria e observação. É esse confronto que diferencia ciência de filosofia. Portanto, hipóteses científicas necessitam de uma validação empírica, de uma confirmação experimental.
Não há dúvida de que essa confirmação pode demorar muito, às vezes até mesmo décadas. Mas, mais cedo ou mais tarde, ela tem que vir. Teorias que não podem ser testadas, ou que podem ser convenientemente redefinidas de modo a escapar constantemente a precisão dos instrumentos de medida, são vistas com suspeita pela comunidade científica.
O uso de simetrias continuará sendo importante na descrição do mundo; mesmo que planetas e estrelas não sejam esferas perfeitas, a aproximação em geral é válida. Outras simetrias aparecem na descrição das partículas e suas interações. O problema surge quando simetria deixa de ser uma ferramenta que usamos nos modelos que construímos para descrever o mundo e se torna dogma. Simetria passa a ser equacionada com beleza e beleza com verdade. Esse paradigma é falso.
Existem vários exemplos possíveis para ilustrar que a Natureza é simétrica. Um deles é a teoria que descreve fenômenos elétricos e magnéticos.
Outro é a teoria que "unifica" as interações eletromagnéticas e as interações nucleares fracas: acima de uma determinada energia, as duas passam a se comportar de forma semelhante.
Porém, uma análise mais detalhada demonstra que essas duas unificações são incompletas. Em ambos os casos, existem assimetrias que persistem e que são compatíveis com as observações. De fato, a física moderna nos ensina que assimetrias e imperfeições são as responsáveis pela geração de estruturas complexas no cosmo, dos átomos às células. Um Universo simétrico e perfeito seria vazio, sem matéria ou vida.
Ao escolher o adjetivo "imperfeita" para categorizar a Criação -subentendida aqui como o conjunto do que existe no Universo- me distancio da expectativa dos que defendem uma teoria final, ou mesmo uma teoria unificada das forças entre os componentes da matéria, que pressupõe tanto uma ordem matemática que descreve o mundo em que vivemos quanto uma ciência capaz de descrevê-la.Uma teoria única que descreve o mundo, refletindo uma unidade por trás de todas as coisas, expressa o que podemos chamar de monoteísmo racional: suas origens nos remetem aos filósofos da Grécia Antiga e foram implantadas na ciência durante a Renascença através da obra de gigantes como Copérnico, Kepler e Newton.
Hoje, cientistas frequentemente referem-se à "mente de Deus", mesmo que metaforicamente, para descrever sua crença numa ordem racional por trás de todas as coisas, baseada em simetrias matemáticas. Mas será isso o que a Natureza está nos dizendo? Será que temos evidência de que a Natureza seja mesmo simétrica, de que existe uma ordem fundamental por trás da incrível diversidade que vemos no mundo?Ao falarmos sobre ciência temos de nos lembrar de como ela funciona. As ciências naturais dependem fundamentalmente do confronto entre teoria e observação. É esse confronto que diferencia ciência de filosofia. Portanto, hipóteses científicas necessitam de uma validação empírica, de uma confirmação experimental.
Não há dúvida de que essa confirmação pode demorar muito, às vezes até mesmo décadas. Mas, mais cedo ou mais tarde, ela tem que vir. Teorias que não podem ser testadas, ou que podem ser convenientemente redefinidas de modo a escapar constantemente a precisão dos instrumentos de medida, são vistas com suspeita pela comunidade científica.
O uso de simetrias continuará sendo importante na descrição do mundo; mesmo que planetas e estrelas não sejam esferas perfeitas, a aproximação em geral é válida. Outras simetrias aparecem na descrição das partículas e suas interações. O problema surge quando simetria deixa de ser uma ferramenta que usamos nos modelos que construímos para descrever o mundo e se torna dogma. Simetria passa a ser equacionada com beleza e beleza com verdade. Esse paradigma é falso.
Existem vários exemplos possíveis para ilustrar que a Natureza é simétrica. Um deles é a teoria que descreve fenômenos elétricos e magnéticos.
Outro é a teoria que "unifica" as interações eletromagnéticas e as interações nucleares fracas: acima de uma determinada energia, as duas passam a se comportar de forma semelhante.
Porém, uma análise mais detalhada demonstra que essas duas unificações são incompletas. Em ambos os casos, existem assimetrias que persistem e que são compatíveis com as observações. De fato, a física moderna nos ensina que assimetrias e imperfeições são as responsáveis pela geração de estruturas complexas no cosmo, dos átomos às células. Um Universo simétrico e perfeito seria vazio, sem matéria ou vida.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"
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