terça-feira, 1 de setembro de 2009

O estranho multiverso


Para quem acha que o nosso Universo (ao menos a parte que podemos ver e estudar com nossos instrumentos) é já bem complicado, gostaria de apresentar o multiverso. Na melhor tradição borgiana, o multiverso é como a Biblioteca de Babel: imagine uma entidade parteira de universos de todos os tipos, alguns absurdamente diferentes do nosso, outros semelhantes. Em alguns, as leis da natureza são distintas das daqui. Em outros, são as mesmas, mas as partículas de matéria têm massas e carga elétrica diferentes.No multiverso, o tempo não existe. Existe apenas a coexistência dos muitos universos, cada qual com suas propriedades. Universos vão surgindo aleatoriamente, sem qualquer causa determinada, cada qual com seu espaço e seu tempo. Dentre eles está o nosso, especial por ter sido capaz de gerar entidades vivas.
O leitor deve estar se perguntando, com razão, de onde vem uma ideia dessas. Afinal, não é todo dia que ouvimos coisas desse tipo, um multiverso repleto de universos. Antes de mais nada, devo afirmar que a ideia habita, ainda, os cantos mais esotéricos das regiões mais especulativas da física teórica: não sabemos se o multiverso existe. Nem é claro que seja possível saber da sua existência, o que faz a física se confrontar com dilema um tanto inquietante: se uma ideia não pode ser confirmada, será que faz parte do cânone da ciência?
Deixando essa questão inconveniente de lado, existem duas correntes de pensamento que levam à ideia do multiverso. Hoje falaremos de uma delas, a hipótese das supercordas, candidata a uma teoria que unificaria as quatro forças fundamentais da natureza, usando um conceito revolucionário: as entidades básicas da matéria não são partículas submicroscópicas mas, sim, pequenas "cordas" que, ao vibrar de diferentes formas, geram as partículas que compõem tudo o que existe. A analogia aqui é com uma corda de violão, que pode gerar notas diferentes vibrando com comprimentos diversos: cada "nota" seria uma partícula.
As supercordas vêm sendo exploradas seriamente desde 1984. Apesar da falta total de confirmação experimental, muitos acreditam que sejam o novo Eldorado da física, uma revolução em andamento. Dentre as suas peculiaridades, a teoria só faz sentido se formulada em nove dimensões espaciais, portanto seis a mais do que as que vemos à nossa volta.
Para justificar a invisibilidade dessas dimensões a mais, é suposto que sejam minúsculas, indetectáveis pelos nossos instrumentos. O ponto relevante aqui é que geometrias com seis dimensões podem ser muito complicadas. Cada geometria gera uma física diferente quando vista em três dimensões. Nossa realidade material seria determinada pelo arranjo geométrico dessas seis dimensões ocultas. A existência de um "superespaço" é imaginada, o lar de todas as configurações geométricas possíveis dessas seis dimensões extra, cada qual gerando uma realidade física diferente. O nosso mundo corresponde a uma única solução, a uma geometria específica. O conjunto dessas geometrias coexistindo no superespaço, em torno de 10500 delas, é o multiverso.
Ninguém sabe ainda como determinar as propriedades desse multiverso. Cá entre nós, talvez nem seja possível determinar essas propriedades. Mas se for levado a sério, o multiverso representa um desafio: como explicar a existência do nosso Universo no meio dessa paisagem semi-infinita de universos? Será que nós, seres humanos, somos especiais? Ou será que somos apenas um acidente cósmico? Aqui, as opiniões divergem e meu espaço para hoje acaba... rso

MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro "A Harmonia do Mundo"

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