sábado, 22 de maio de 2010

Nietzsche e o Nascimento da Tragédia - II

         Vamos ao livro. A obra divide-se em 25 partes, bem ao costume do autor, com títulos numéricos e palavras-chave, no sumário. A obra inicia-se com o autor defendendo que o desenvolvimento da arte deve-se à duplicidade do apolíneo e do dionisíaco. Essa duplicidade, no mundo helênico parte da contraposição de origens e objetivos entre as artes apolínea do figurador plástico e a arte dionisíaca do músico. Ese incitar mútuo e esse caminhar lado a lado, num ato da 'vontade' helênica, geraram um emparelhamento cujo fruto foi a tragédia grega.
        O jovem Nietzsche parte daquilo que ele chama 'dois universos artísticos' - o sonho e a embriaguez, correspondentes, a seu ver, aos universos apolíneo e dionisíaco, respectivamente. Começa por abordar o sonho, universo apolíneo no qual artistas plásticos e poetas vão buscar sua inspiração. Trata-se do uiverso da aparência, da forma. O artista agiria, portanto, como o filósofo, ao observar as formas desse universo e usá-las na interprertação e na ação do viver. Apolo, enquanto deus configurador, é também um deus divinatório. Ao dar forma, permite a interpretação e a  ação.
       Uma marca da inteligência visionária de Nietzsche é que, ao falar do universo do sonho, faz referência ao "fundo comum de todos nós" (p. 29), numa alusão antecipatória do que viria a ser conceituado como inconsciente coletivo. Porém, a ação configuradora de Apolo encontra um limite naquilo que a imagem onírica não pode ultrapassar, caso em que se derivaria para o patológico. O olho apolíneo deve ser solar e configurador, para que não se perca no mar de imagens revoltas que afloram daquele fundo comum. Daí, Apolo ser tomado como o principium individuatonis - o princípio de individuação. Apolo é o endeusamenteo desse princípio dado que esse processo é a meta visada pelo Uno Primordial. Ele é sua libertação através da aparência. É preciso tomar forma e, por isso, é necessário a medida. Por isso, o "Conhece-te a ti mesmo" é acompanhado do "Nada em demasia".
       Se o princípio da individuação se rompe, terror e êxtase apoderam-se do ser humano. Está-se no território do dionisíaco cuja intensidade rompe as barreira sdo indivíduo, levando à integração despersonalidora com o Uno Primordial. Nesse território, a natureza e seu filho perdido - o homem - reconciliam-se. Na união, o homem se sente 'deus', obra de arte para a satisfação do Uno.
      Como ponto de confluência desses dois impulsos, o artista se torna onírico e extático. O influxo apolíneo revela-lhe seu estado de união profunda com o Uno, seu estado extático. É a forma produzida pelo sonho revelando ao sonhador seu estado presente. Entretanto, é importante lembrar que o grego dionisíaco difere do bárbaro dionisíaco justamente por sua contraface apolínea.
      Essa reconciliação entre Apolo e Dionísio permite transformar o rompimento do princípio de inividuação em algo artístico. permire que o grego apolíneo receba o ditirambo dionisíaco com assombro e temor de que aquilo, afinal, possa ser compreensível sob as formas manifestadas por Apolo. A música de Dionísio, a forma de Apolo.
     Mas antes de elaborar a questão da tragédia, Nietzsche desconstrói a cultura apolínea em busca de suas bases. Inicia afirmando que no encontro com os deuses  olímpicos só há uma opulenta e triunfante existência, onde tudo é divino, sem bem ou mal.Nietzsche mostra que, para sobreviver, para resistir às froças titânicas da natureza, ao destino implacável, os gregos tiveram que colocar entre eles e a vida um sonho - a criação onírica do Olimpo e seus habitantes.
     Os gregos precisaram criar os deuses, produziram a teogonia olímpica por meio do impulso apolíneo da beleza.  Num espelho, a existência dos deuses legitima a vida humana.
      A unidade entre o ser humano  a natureza produziu, na cultura grega, o "ingênuo" (aquele que crê na beleza da aparência) na arte, mas a um alto preço: era preciso  derrubar titãs, matar monstros, vencer as terríveis e profundas considerações sobre o mundo. Só através da froça da forma onírica, essa batalha pode ser levada  a efeito. Só por meio do triunfo da ilusão apolínea, Homero pode ser compreendido. "Nos gregos a 'vontade' queria, na transfiguração do gênio e do mundo artístico, contemplar a si mesma: para glorificar-se, suas criaturas precisavam sentir-se dignas de glorificação, precisavam rever-se numa esfera superior, sem que esse mundo perfeito da introvisão atuasse como imperativo ou como censura" (p. 38).

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