sábado, 22 de maio de 2010

Nietzsche e o Nascimento da Tragédia - III

        O mundo apolíneo do grego, construído sobre a aparência e sobre a amedida, sofre duro baque com a chegda do culto dionisíaco, mas não perece. A arte dórica foi seu acampamento de guerra. A união entre esses dois impulso dá origem à tragédia ática.
        Fechando mais sua investigação, Niestzsche mostra que os poetas Homero e Arquíloco devem ser considerados os pais da poesia grega. De naturezas muito distintas, os dois poets representam fontes díspares dentro da dultura grega. Homero, o artista naïf (ingênuo), sonhador, apolíneo - o artista épico, contrapõe-se ao belicoso Arquíloco, contraditório, ébrio, dionisíaco -  o artista lírico. Vemos, dese modo, que o autor defende o universo dionisíaco como terra mater do poeta lírico, o qual não é coberto adequadamente pelo termo técnico de poeta subjetivo. Sua subjetividade se encontra destruída no encontro dionisíaco com  o Uno Primordial. Quem canta não é Arquíloco mais, mas sim Dionísio que, usando das formas plásticas configuradoras de Apolo,  dá voz ao centro-motor da existência. A subjetividade aqui não tem nada a ver com a personalidade empírica do sujeito no mundo concreto.
       No caso do poeta lírico, trata-se de outra 'eudade': "...ele, como centro motor daquele e mundo, precisa dizer  'eu': só que essa 'eudade' (Ichheit) não é a mesma que a do homem empírico-real, desperto, mas sim a única 'eudade' verdadeiramente existente (seiende) e eterna, em repouso no fundo das coisas... Arquíloco, o homem apaixondamente ardoroso, no amor e no ódio, é apenas uma visão do gênio, que já não é Arquíloco, porém o gênio universal, e exprime simbolicamente seu sofrimento primigênio naquele símile do homem Arquíloco"(p. 45). 
        O conhecer se nos apresenta em estado puro, em força aniquiladora, à qual a personalidade empírica não resiste. O sujeito egoista não constitui, por isso, o sujeito artístico, ao contrário, é um adversário da arte. Quando liberto do querer egocêntrico pode, então, o sujeito ser o meio de manifestação da existência e através dessa manifestação redimir-se e ampliar-se. E Nietzsche vai mais longe ao propor que devemos nos lembrar sempre de que somos, para o criador, imagens e projeçoes artísticas, de que só como fenômeno estético nossa existência e o mundo podem ser justificados. É maravilhoso comprender as coiss sob esse viés. Traz a existência humana à dimensão da beleza e impõe-nos com uma responsabilidade existencial suprema: fazer da sua vida o melhor que deve ser feito, carregar nas cores, construir harmonias e dissonâncias, verter a alma universal no canto individual.
        Retomando Arquíloco, o autor afirma que os estudos sobre a Grécia mostram que foi ele o introdutor da canção popular na literatura. Essa canção popular, na verdade, é um vestígio da união do apolíneo e do dionisíaco. Nietzsche argumenta que todo período marcado pela alta produtividade da música popular deveria ser considerado um período de forte manifestação do dionisíaco, seu substrato e pressuposto, porque esse tipo de canção constitui um manifestação da melodia primeva aliada à aparência onírica que a poesia lhe proporciona. São palavras do autor: "Na poesia da canção popular vemos, portanto, a linguagem empenhada ao máximo em imitar a música: daí começar com Arquíloco um novo universo da poesia, que contradiz o homérico em sua raiz mais profunda. " (p. 49). Fundamental é ter claro que aquilo que Nietzsche chama de música popular está qualitavamente muito distante e acima do que hoje, nos tempos do pop e outros 'lixos  musicais', é chamado grosseiramente e inadequadamente de música popular. A música da massa é pop, mas não é popular. A civilização ocidental está muito aquém daqueles helenos  e Sócrates é um dos responsáveis por isso. Não somos helenos, somos graeculus, o escravo doméstico, bonachão, espertalhão e democrata.
       Na Grécia do mito trágico, a melodia popular, primeva, é vertida em imagens, em palavras, originando a canção estrófica popular. Nesse cenário, a música aparece como vontade, como vontade de expressão do universo dionisíaco por meio da configuração onírica. O artista, assim, é dionisíaco e apolíneo ao mesmo tempo, ele é o desejante e o contemplador e plasmador de si e do desejo. A linguagem cria um símile daquilo que o dionisíaco carregada e esse símile é freqüentemente revivido/reconstruído porque nunca dá conta de expressar completamente sua carga original.
      

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