sexta-feira, 28 de agosto de 2009

ANAXIMANDRO DE MILETO


Discípulo e sucessor de Tales, Anaximandro de Mileto representa o conflito humano na busca de uma explicação para a multiplicidade encontrada na realidade a partir de uma única razão originária. Essa razão, para Anaximandro, ao contrário de Tales, não era a água, mas o ÁPEIRON ( o infinito, o ilimitado). “Anaximandro, companheiro de Tales, dizia que o ilimitado é totalmente responsável pela gênese e pela dissolução do universo (...). Afirmava ainda que a dissolução e, muito antes, a gênese, aconteciam repetindo-se tudo isso desde um tempo ilimitado” (Pseudoplutarco, Stromateis, 2, GB, 25-26).
Em fragmento de seu tratado “Acerca da Natureza”, preservado por Simplício (sec VI dC), aparece pela primeira vez o uso do termo ‘ARCHÉ’ para simbolizar o princípio primeiro e a realidade última de tudo. O real seria, então, o resultado de modificações ocorridas nesse princípio original.
“Anaximandro vai, aos poucos, delineando uma nova maneira de ver as coisas no interior da cultura grega. Essa nova visão (naturalista) vai se consolidando lentamente e acentuando a ruptura com a mentalidade anterior tradicional, mítico-poética. O universo passa a ser visto como uma estrutura dinâmica no interior da qual se digladiam os pares de opostos. Essa ruptura cresce na medida em que Anaximandro apresenta os contrários como elementos físicos (qualidades inseparáveis da matéria na qual se encontram e que lhes serve de sustentação), destituídos dos aspectos de divinização característicos do corpo de saber anterior” (SANTOS, 2001, 30-31).
O ápeiron de Anaximandro não se assemelha a qualquer tipo de substância ou elemento presente no mundo. Ele é 'espacialmente indefinido e qualitativamente indeterminado' (SANTOS, 2001, 31) e, portanto, não se trata de algo perceptível no mundo da physis. A esse princípio original são atribuídas características como imortalidade e poder ilimitado de governo sobre as coisas, atributos comuns também aos deuses homéricos.
As especulações filosóficas de Anaximandro nutriam-se também de suas observações do fluir das estações do ano. Essas observações levam-no a concluir sobre a necessária reversão contínua dos opostos que constituem o princípio ápeiron, assegurando, desse modo, a igualdade e a estabilidade. Os contrários que constituem o ápeiron são, para Anaximandro, o quente e o frio, o seco e o úmido. “A estabilidade e o equilíbrio que mantêm a harmonia (a ordem) do universo acontecem ‘de acordo com o decreto do Tempo’. O Tempo, que é o poderoso Tribunal ou Juiz (...), é quem decreta os prazos e regula os períodos... ” (SANTOS, 2001, 32).
Interessante observar que Anaximandro afiram ser o ápeiron dotado de um movimento terno e rotacional, semelhante a um rodamoinho (Mais interessante ainda me lembrar agora de Guimarães Rosa e o seu diabo na rua, no meio do rodamoinho – Grande Sertão). É o movimento rotacional eterno do apeíron que leva à separação dos opostos. Esse mesmo fluir em movimento tornam necessárias a destruição e a morte, condições exigidas pela ação julgadora do Tempo.
Daí desenvolve-se toda uma explicação para o surgimento do cosmos, das estrelas, dos astros, enfim. Anaximandro descreve a Terra como um astro suspenso e imóvel no espaço, cujo equilíbrio é assegurado pela ação de forças contrárias e de mesmo peso. “Há os que afirmam, como Anaximandro entre os antigos, que a Terra, em virtude de sua igualdade, permanece fixa em seu lugar. Pois, o que está situado no centro e a igual distância dos extremos, não pode se mover, ao mesmo tempo, em direções contrárias. Acha-se, portanto, necessariamente em repouso” (ARISTÓTELES, Do Céu II, 13, 295b).
Além da cosmologia, Anaximandro fez especulações sobre as origens do animal humano. Defendia a hipótese de que o ser humano desenvolveu-se a partir de animas de outra espécie. Tais especulações fizeram dele o precursor da moderna teoria evolucionista. Esse insight só foi possível porque Anaximandro nunca se esqueceu de que o homem é parte integrante da physis.
Nietzsche diz de Anaximandro que este com certeza foi o primeiro filósofo grego dado que escreveu seus textos como tal – suas frases e seu estilo são testemunhos de suas iluminações. O alemão se interroga diante da seguinte passagem do grego: “De onde as coisas têm seu nascimento, ali também devem ir ao fundo, segundo a necessidade; pois têm de pagar penitência e de ser julgadas por suas injustiças, conforme a ordem do tempo.” Como interpretar isto? – pergunta Nietzsche.
Ele mesmo responde ao apontar para possíveis usos moralistas das postulações de Anaximandro. Reflete também sobre as relações entre o vir-a-ser e a eternidade: “Pode não ser lógico, mas em todo caso, é bem humano e, além disso, está no estilo do salto filosófico descrito antes, considerar agora, com Anaximandro, todo vir-a-ser como uma emancipação do ser eterno, digna de castigo, como um injustiça que deve ser expiada pelo sucumbir.Tudo o que alguma vez veio a ser, também perece outra vez, quer pensemos na vida humana, quer na água, quer no quente e no frio: por toda parte, onde podem ser percebidas propriedades podemos profetizar o sucumbir dessas propriedades, de acordo com uma monstruosa prova experimental. Nunca, portanto, um ser que possui propriedades determinadas, e consiste nelas, pode ser origem e princípio das coisas; o que é verdadeiramente, conclui Anaximandro, não pode possuir propriedades determinadas, senão teria nascido como todas as outras coisas, e teria de vir ao fundo. Para que o vir-a-ser não cesse, o ser originário tem de ser indeterminado. A imortalidade e eternidade do ser originário não está em sua infinitude e inexaurabilidade – como comumente admitem os comentadores de Anaximandro –, mas em ser destituído de qualidades determinadas, que levam a sucumbir: e é por isso, também, que ele traz o nome de ‘o indeterminado’. O ser originário assim denominado está acima do vir-a-ser e, justamente por isso, garante a eternidade e o curso ininterrupto do vir-a-ser. Essa unidade última naquele indeterminado’, matriz de todas as coisas, por certo só pode ser designada negativamente...”( NIETZSCHE - A Filosofia na Época Trágica dos Gregos).
Impossível, para mim, não fazer relações entre as postulações de Anaximandro e os comentários de Nietzsche com a descrição cabalística da esfera do Imanifesto acima da substanciação primeira em Kether. Que a alma salte cada vez mais alto e mais longe; que ela voe alto, paire e depois desça em busca da melhor caça; que os altos penhascos sejam sua moradia eterna, seu habitat natural. Que a noite se torne grande e profunda porque o dia que dela nasce só pode ser, por natureza, por sua matriz, gigantesco e luminoso.

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